Irritador automático

Número 510

Irritador automático

Rubem Penz

O meio digital e as telecomunicações geram uma enorme economia de tempo, sob medida para esta época de tantas urgências. Mensagem de celular, por exemplo, é algo espantoso: já não se veem mais telegramas, bilhetinhos nas geladeiras ou sobre as mesas. Antes, um Joãozinho bem comportado deixaria um aviso para a mãe ausente: estou na casa do Pedrinho. Ela saberia do filho assim que voltasse para casa – satisfeita ou, no mínimo, menos brava. Agora, antes mesmo de sair, um filho educado pede permissão via torpedo, lendo a resposta: já arrumou a cama? Já fez os temas? Já alimentou o cão? Se sim, pode. Volte cedo.

O problema é ser a urgência um mal que se retroalimenta. Quanto mais rápido fazemos as coisas, mais ligeiro queremos fazer. Softwares e hardwares se aprimoram nesse ritmo. Por exemplo, segundo me informei, o bom uso do corretor automático nas mensagens de celular acelera em até 30% a velocidade de digitação. Um número estatisticamente considerável. Ao invés de levarmos 50 segundos, escreveríamos a mesma mensagem em 35. E, de quinze em quinze segundos, ganhamos quase dois minutos no dia. Mas, para fazer o quê, mesmo? Oh, essas perguntas inconvenientes…

Devo confessar que não gosto dessa ferramenta “automática”. O problema nem é minha postura crítica à pressa contemporânea. Na realidade, sou incompetente no seu uso. Inadaptado. O único resultado que tive enquanto o corretor automático estava operando no meu celular foi na velocidade com que me irritei – essa cresceu mais de 30%. Ainda, com doses de frustração: será que sou eu quem escolhe mal as palavras, impondo à máquina um raciocínio impossível de ser antecipado?

Meu problema com a coisa é conceitual. Sabe aquelas pessoas que, enquanto estamos dialogando, terminam a frase por nós? Pois o corretor automático de mensagens é um chato desses a cada palavra – não espera nem o final da sentença para dar uma de adivinho. Eis a razão de a ferramenta não funcionar comigo: como esperar que eu ganhe tempo se, a cada novo palpite errado, corta-se meu raciocínio? No tempo do lápis, havia um obsequioso silêncio que facilitava o bem pensar.

***

Pior é quando não nos damos o tempo de ler o que está partindo. Algo que aconteceu com o José Flávio em mensagens à Ana Maria, ambos no shopping:

JF: Estou te especulando defronte a loja de matemático de confusão. Se não contente em 15 min, vou para a fartura.

AM: O quê?

JF: Tô na loja de matéria de conjunto. Vou p/farejar depois!

AM: Quer saber? Vá pentear macaco!

(…)

JF: Ah, desliguei o corretor automático! Desligue o seu também. Quer que eu vá onde?

AM: Quem disse que eu uso corretor?

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