Rufar dos Tambores 511
Bento 30 horas
Rubem Penz
Peço licença aos brilhantes gestores do marketing do Unibanco, criadores deste conceito hoje adotado pelo Banco Itaú, para lançar um ponto de vista sobre a renúncia do Papa Bento XVI: a jornada de 30 horas. Isso, quando somado ao momento Big Brother em que vivemos e diante da extrema aceleração imposta pela tecnologia em termos de comportamento, modificou gravemente a exigência de um líder com a importância e a responsabilidade de conduzir a barca de São Pedro. Haja fôlego. Haja vocação.
Fui batizado sob o olhar distante de Paulo VI. Em meados dos anos 1960 já experimentávamos a diminuição das distâncias advindas de fenômenos como a aviação, as telecomunicações e as agências internacionais de notícias, mas nada comparada aos dias de hoje. Se por um lado o Papa estava (está) citado nas intenções de cada missa pelo mundo, sua vida cotidiana mantinha-se circunscrita aos limites do Vaticano. Sua dedicação bem poderia estar contida em oito ou mesmo 10 horas diárias de trabalho. O que nunca foi pouco, tornou-se insuficiente.
João Paulo II foi além das Escrituras e leu com muita competência as mensagens da contemporaneidade. Fazendo uso de seu invejável vigor físico e raro carisma, desconheceu as muralhas e imprimiu um ritmo diferente em sua passagem pelo cargo máximo da Santa Igreja Católica. Partindo ao encontro de forças políticas e religiosas, de lideranças humanitárias e aos braços do povo, reverteu o conceito arrogante de encastelamento. Foi mestre na comunicação, fato constatado com felicidade pelo compositor Humberto Gessinger em seu invencível bordão: “o Papa é pop”.
Mas, ainda citando Gessinger, “o pop não poupa ninguém”. Basta lembrar que Karol Wojtyla foi alvo de atentados contra si, o mais contundente em 1981, quando um atirador turco quase tirou sua vida, ceifando-lhe boa parte da saúde. E a condição física que sempre fora determinante para alcançar os objetivos se viu abalada. Para cumprir a agenda de viagens e compromissos, o corpo padeceu. E, depois de inaugurada a fase de onipresença das telecomunicações globalizadas, assistimos em tempo real a deterioração triste e irreversível de um homem outrora tão forte. Quadro a quadro, o mundo testemunhou uma moderna via dolorosa.
Se eu me compadeci aqui no distante Sul das Américas, fico imaginando o quanto esteve claro ao Cardeal Ratzinger, braço direito do Papa, a mudança exigida para um pontificado contemporâneo. Certamente doeu muito estar ao lado de um homem sem condições de cumprir suas funções e que, quase como uma danação, manteve-se compungido a permanecer sólido. Ao final, Bento XVI ascendeu ao cargo máximo da Igreja já consciente de que sua dedicação deveria ultrapassar o humano limite das dez horas diárias, o cronológico limite de 24 horas, talvez até o virtual conceito de 30 horas adotado pelo banco em sua promessa de estar sempre ao nosso lado. E pagar o preço.
Quero crer que Bento XVI lançou mão de uma decisão incomum na história Católica menos por pressões internas (nunca escondeu seu conservadorismo e as cisões na Igreja) e mais pela consciência de que a saúde não suporta a rotina de Papa 30 horas. Também, quem sabe, por um traço muito presente em sua origem germânica: a valorização da intimidade. Num só gesto, poupa-nos de novo espetáculo de decadência e se poupa do constrangimento. Hoje, nenhum lugar do mundo, nem mesmo o Vaticano, é uma ilha. E renunciar, de algum modo, também pode ser lido como assumir.
Boa Rubinho… Muito lúcida tua crônica!
Concordo plenamente com teu “olhar” sobre o assunto abordado.
Abraço….
Ps.: Rapaz, tu estás a “cara” do Rubem PAI… Baita Sujeito!
Abraço.
Caro Valdir,
Muito grato pela tua generosidade!
Sobre estar parecido com o “velho” Rubem, é uma honra, mais do que uma evidência! Se for um sujeito metade bacana como foi o pai, já serei muito feliz!
Abraços, Rubem