Máquina de lavar

Rufar dos Tambores 520

Máquina de lavar

Rubem Penz

Lava roupa todo dia, que agonia

Na quebrada da soleira…

Luiz Melodia

Meu amor,

Lembro como se fosse hoje do nosso começo: primeiro, sofri uma torrente de sentimentos. Estive plena, preenchida até a borda com sua presença. Encharcada, dançante, movediça. Porém, mal começara a me mover, pensando tanto lhe agradar, você logo me deixou de molho. Quanta aflição.

Suportei a espera com a perseverança das apaixonadas. Você disse que seria importante, prometeu que tudo ficaria mais solto se déssemos esse tempo. Que não fosse tão ansiosa: haveria a necessidade de serenar. Num instante estaríamos em outro momento, outra vez agitados, cheios de idas e vindas. Dito e feito: e como é bom esse balanço! Adoro quando você mal consegue acompanhar meu sarandeio.

Em grande susto, de um momento para outro, a plenitude foi escorrendo pelo ralo e nossa relação corria o risco de se esvaziar por completo. Pensei que iria lhe perder para sempre, mas – que alívio! – você não foi embora. Deu-me a chance de investir novamente na relação e, quando vi, completa, rebolava outra vez com você dentro de mim. Até o segundo molho… Calma – você disse – isso é necessário…

Cansada de tantas oscilações, resolvi entrar em um ciclo amaciante. Nosso caso precisava de um novo perfume, nova textura, mais leveza. Agora sim, você estava ficando no ponto. Alma lavada e enxaguada. Entrara na minha vida um, agora já era outro. Outro mesmo: começou a querer se afastar como quem sai pela tangente – uma fuga obedecendo à força centrífuga. E a vontade foi tanta que alguém apareceu para nos separar.

Agora, sinto-me vazia, seca. Inerte e prisioneira dentro dessa casa, assisto você dançar embalado pelo vento; tomar sol, abanar para quem passa na calçada. Pior: mostrando a quem estiver disposto a olhar que deixei você melhor.

Que ódio! Mas a vingança não tardará. Quando voltar para perto de mim, não serei eu a lhe acolher. O que lhe espera é o ferro!

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