Uma visita ao Analista de Bagé

Coluna do Metro Porto Alegre em 08.05.2013

UMA VISITA AO ANALISTA DE BAGÉ

Lindaura me pergunta se é consulta. Não, respondo em voz baixa, é apenas uma visita – estou aproveitando minha passagem por Bagé. “Sei…” O restante ela diz com os olhos me varrendo da cabeça aos pés. Também falo pouco. Com mulheres assim, ainda mais depois de desenhadas pelo Edgar Vasques, sempre fico na defensiva. Ela me anuncia como sendo um moço que veio da capital para uma visita. Muda a inflexão na palavra visita e arremata: “Não sei…”.

“Vivente, te abanca no más!” Acho que não consigo esconder a emoção de ouvir a voz que não cansava de ler nas crônicas do Analista. Para quebrar o silêncio, depois de um obrigado quase inaudível, elogio a formosura da secretária. Ele responde que é a pura verdade, mas que eu não me estique muito, pois homens como eu, com peso de jóquei, a potranca até deixa montar. “O problema é que o relho troca de mãos.” Nessas, já me alcança o mate perguntando o porquê da consul… da visita.

Digo que estou na cidade devido a uma efeméride. Vim para falar do centenário de Rubem Braga – o cronista, conheces? “Aquele de bigode, topetudo, mulherengo e que implicava com o Dr. Getúlio?” Esse mesmo, respondo. Um dos intelectuais mais brilhantes forjados na literatura nacional. Um escritor de linguagem simples e, ao mesmo tempo, muito profunda. Pai de toda uma geração de cronistas brasileiros que começaram a escrever a partir da metade do Século 20. “A la pucha! Mulherengo e competente!”

E aqui no consultório, atalho enquanto devolvo a cuia, estou também por homenagem. Tornei-me cronista por causa do Luis Fernando Verissimo, a quem considero um gênio e posiciono no mesmo patamar do velho Braga. Aproveitei a estada na fronteira, tomei coragem, e arrisquei essa conversa com o senhor. “Buenas, há de se reconhecer: para um rapaz franzino, tu até que saíste bem corajoso. Já pensou que botar palavras no personagem alheio dá processo?” E diz que a Lindaura pode ser arrolada como testemunha. Só ela: “Nos loucos ali da salinha ninguém acreditaria…”.

Mas é só um grande tributo, digo me erguendo e batendo nas pernas como quem quer acordar de um sonho. Vir à cidade e não entrar no consultório do Analista de Bagé é como ir para Roma e não ver o Papa – pedindo desculpa pelo clichê. E não mais perturbaria. Tanto que já estava até de saída. “Pra que a pressa?” Então, o Analista faz roncar a cuia, serve um novo mate e me alcança, apontando para que eu sente outra vez. “Para modos de ter mais proveito, larga de bobagem e desembucha aí sobre a tua mãe…”.

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