Dia da mãe

Rufar dos Tambores nº 523

Dia da mãe

Rubem Penz

Cedo da manhã, ela depende.  Depende de cuidados, depende de carinho. Sabe o valor do olhar, do toque na pele, de um banho morno, de um leite ofertado no ponto. Nada passa despercebido. Não há palavras, mas o amor é constante e recíproco.

Um pouco mais tarde, não muito, estará absorta brincando com suas bonecas. Ou com os bichos de pelúcia. Fantasiando aquilo que a natureza lhe ofertou – preparando mamadeiras de faz de conta, colocando seus filhinhos para dormir, levando-os para passear.

Depois do lanche, a imaginação é dirigida à vida adulta: as bonecas não são mais nenês. São moças que dirigem, trabalham, namoram… Também há os livros, sendo os primeiros de contos de fada, princesas e príncipes. Ao mesmo tempo em que as histórias vão ficando mais interessantes, a música entra para embalar os sentimentos – agora é fã.

Perto do meio-dia, depois dos primeiros flertes, das primeiras ficadas, dos primeiros beijos, engata um namoro. Já se reconhece alguém desejável e também deseja quem a excita. Aos poucos, quase numa vertigem, experimenta o que significam os relacionamentos. Sofre por amor e desamor. Ampara-se nas amigas.

Mal começa a tarde e já estuda com afinco – isso quando não estuda e trabalha. Quer sempre mais, ser alguém na vida. Conquista os espaços profissionais sem abrir mão da delicadeza, da feminilidade. Os relacionamentos tornam-se mais sérios. Escolhe parceiros mais confiáveis: mira constituir família.

Numa medida que anda cada vez mais elástica, escolhe a hora de engravidar. Recebe seus filhos para colocar em prática tudo o que aprendera pela manhã. Oferta o carinho do olhar, do toque, do banho morno, do leite. Sempre que possível, sem abrir mão da vida profissional, dos planos pessoais.

Ao entardecer, vislumbra os perigos que se avizinham. Teme por seu filhos, cada vez maiores e mais independentes. Deseja tutelar suas escolhas, mantê-los presos a si de alguma forma. Está muito presente o instinto de proteção. Mas, no fundo, sabe ser essa uma batalha inglória.

Anoitece e a casa fica vazia. Os filhos partem em busca de seus destinos e já não gravitam ao seu redor. Procuram formar suas próprias famílias, tecem os mais variados destinos – muitos deles em cidades distantes.

Porém, surpreende-se ao gostar da noite: há muitos motivos para estar alegre e combina sabedoria com liberdade. Antes de dormir, espera ver seus netos, sopros de juventude que parecem dar motivos para não ir deitar tão cedo.

Se avançar madrugada adentro, precisará quem olhe por si. Cedo da manhã, ela depende.  Depende de cuidados, depende de carinho. Sabe o valor do olhar, do toque na pele, de um banho morno, de um leite ofertado no ponto. Nada passa despercebido. Não há palavras, mas o amor é constante e recíproco.

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