Canciones Cruzadas e outras cruzadas

Coluna do Jornal Metro em 31.07.2013

CANCIONES CRUZADAS E OUTRAS CRUZADAS

“Canciones Cruzadas” é um show que percorreu algumas cidades gaúchas – quiçá siga país afora – e, também, um álbum dos protagonistas Dany López (Uruguai) e Marcelo Delacroix (Brasil). Projeto que nasceu de forma interessante: um desafio mútuo na mesa de bar. Cada qual faria versões em espanhol ou português das músicas do outro, compondo um trabalho assim cruzado. Nele, há uma surpresa e uma confirmação: surpresa de verificar que novos arranjos valorizaram ainda mais os temas originais; confirmação de que a harmonia entre Porto Alegre e Montevidéu é maior do que se supõe. Inclusive maior do que a capital sul-riograndense com outras capitais brasileiras.

Eis aí um tema que deveria ocupar as decisões estratégicas das administrações municipais: identificar (descobrir?) a personalidade de sua cidade e trabalhar diuturnamente no sentido de compreendê-la, respeitá-la e, de preferência, evidenciá-la. Isso vale para Salvador, para Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro ou Rio Pardo. Fazer com que cada paralelepípedo conte a mesma história, e não esperar que o visitante capte a alma do lugar numa sinfonia confusa e dissonante em que cada instrumento da orquestra imagina estar tocando a música certa – talvez por não identificar qualquer autoridade no maestro da vez.

Já fiz um exercício revelador: comparar fotos de Buenos Aires (ela entra aqui no papel de trigêmea), Montevidéu e Porto Alegre em visão noturna, feitas da ótica da água para a cidade. Com exceção de dois ou três prédios mais representativos e, assim, distinguíveis, as paisagens se confundem. O clima também une as cidades, bem como hábitos prosaicos como o chimarrão e o apreço pela carne, além do folclore. Traços de personalidade da população, que esconde uma afabilidade rara debaixo da aparente carranca, terminam de compor os paralelos urbanos. Dar-se conta disso pode fazer de minha cidade meridional parte do roteiro de quem ruma aos países do Prata, com a vantagem de dispensar passaporte, troca de moeda e de língua. Está tudo pronto, historicamente construído, naturalmente composto.

Marcelo e Dany cruzaram suas canções como quem cruza a esquina do mesmo bairro. Paulistas ou cariocas podem fazer o mesmo, mas dificilmente com tamanha propriedade. Todo brasileiro que escutar o álbum notará o que digo. Todo brasileiro que visitar Montevidéu, Porto Alegre e Buenos Aires verá o que digo. Por isso, não compreendo como não compor uma cruzada de longo prazo na capital gaúcha: render-se às evidências e assumir no corpo a essência de sua alma.

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