Coluna do jornal Metro Porto Alegre em 27.08.2013
Confiança. Eis uma palavra que define o grau de civilização alcançado por determinada sociedade. Relações baseadas em confiança são as mais sólidas, mais elevadas, mais justas, mais leves, mais baratas, mais, mais, mais… Muitos mais. Arrisco dizer que confiar é uma atitude quase tão positiva quanto amar – aliás, para a segunda acontecer a primeira já deverá estar valendo. Em contraposição, coisa desgastante é conviver em eterna dúvida.
Quando visitamos países de primeiro mundo, um dos maiores choques está no grau de fé estabelecido nas relações. Em todas as relações. Pessoas acreditam que o trem está no horário e contam com isso. Por sua vez, a companhia de transporte credita que todos pagam a passagem e contam com isso – em alguns lugares chegam a verificar apenas por amostragem. Funcionários (públicos e privados) têm fé pública e as relações dispensam tantas firmas reconhecidas e outros avais burocráticos.
Peguei o exemplo de transporte, entre tantos, por causa de algo inacreditável que aconteceu com meu filho semana passada. Ele precisava carregar o cartão de passagens escolares e, com dinheiro não mão, foi ao guichê da companhia. Mas não pôde comprar. Precisaria ter consigo um papel da escola comprovando que ele continuava cursando o segundo semestre. Numa lógica torta, parece certo: desconto de estudante apenas para quem efetivamente estuda. O problema está no fato de estarmos em pleno ano letivo, e ele já haver demonstrado sua matrícula em março.
Este é o ponto em que eu queria chegar: a marca indelével da sociedade subdesenvolvida é a trapaça, progenitora da desconfiança. A funcionária crê apenas no papel timbrado da escola atestando a lisura da ação. A palavra do estudante sobre sua condição (que em minha inocência seria óbvia) não basta. Num só impedimento, duas tristes revelações: jovens abandonam os estudos e, mesmo assim, procuram trapacear na compra de passagens subsidiadas. E a funcionária se abriga no pântano da burocracia, pois ele parece mais seguro do que a selva das relações humanas.
Os desvios de conduta nos andares de cima costumam chocar, e todos são execráveis. Mas o ardil parece ser a lei do subdesenvolvimento, presente no cotidiano e em todos os níveis. E o pântano movediço que aprisiona o desenvolvimento – a burocracia – surge pateticamente como salvaguarda, onerando cada etapa das relações de troca. Pior: faz subir o custo para o honesto, único verdadeiramente punido na sociedade da trapaça.