Coluna do Metro Jornal em 22.11.2013
Há quem pense que não existe pecado do lado de baixo da literatura – onde habita a crônica. Ledo engano. Sua aparência descontraída, a contaminação de oralidade, a necessária urgência e o suporte fugaz (jornal) dão a falsa impressão de promiscuidade consentida para o gênero. Porém, o leitor costuma ser severo com cronistas imprudentes. Na virtude, o escritor pode ter opiniões fortes, tecer críticas e debochar do senso comum – sofrerá, no máximo, contra-argumentos. Pecando, perderá a razão e voarão tomates. Num exame de consciência, refleti sobre o tema e cheguei ao coincidente número sete para nossas falhas capitais:
Imprecisão vocabular. Coisa mais constrangedora ouvir em confissão um cronista que precisa se justificar. Defender suas ambiguidades depois de elas permitirem leituras diversas ao que o escritor pretendia. Exceção para a ironia – quando escrevemos uma coisa para ser entendida outra.
Arrogância. O leitor médio fareja arrogância até nas entrelinhas. E costuma ser inclemente com os presunçosos (digo eu: bem feito!). Recomendo a leitura da crônica “O Padeiro”, de Rubem Braga, para ter a necessária lição de humildade.
Ingenuidade. Visão inocente sobre a sociedade, meio imatura ou fútil, capaz de comprar qualquer tese furada. Também um descompromisso com as próprias opiniões, não se levando a sério e desrespeitando o disputado espaço na imprensa.
Egolatria. A crônica é o paraíso do “eu”. Existe para compor um ponto de vista que, merecendo leitores, será relevante (essa aprendi com o sempre relevante LFV). Pecado é falar apenas de si, numa exposição gratuita, num exercício burlesco de vaidade.
Desinformação. “Ouvimos falar” muita coisa. Numa conversa de bar, pode-se até passar adiante uma informação tortuosa. Porém, é preciso lembrar que a crônica é um gênero híbrido com o jornalismo: é imprescindível conferir as informações antes de publicar.
Venalidade. Indicar mercadorias, serviços ou qualquer outro bem que o leitor possa adquirir é do jogo. O cronista faz isso de bom grado quando acha que vale. Porém, se o fizer por um preço (real ou metafórico), cometerá grave pecado.
Pretensão. O mais ardiloso dos pecados. Aquele que cometemos quase sem querer e, muitas vezes, de modo bem intencionado. Verdadeiro fio da navalha. Por exemplo: o que você diria de um cronista que ousa dar uma de Deus e ditar sete pecados? Cartas para a redação.