Coluna do Metro Jornal em 19.11.13
A academia é um mundo à parte. E, como todo ambiente apartado, cria códigos próprios, maneirismos, regras. Vícios e virtudes. Para sobreviver nesta estrutura, há alguns pré-requisitos. Um deles é o de respeitar acima de tudo a tradição: toda tese deve conter em seu corpo farta distribuição de citações canônicas e dados absolutamente mensuráveis, demonstrando que o autor, do qual é cobrada originalidade, chegou ao novo depois de trilhar léguas pelo consagrado. Outro requisito é o de fazer o simples parecer complexo, deixando quem está do lado de fora com inveja: nossa como eles são inteligentes! A busca incessante da razão das coisas nasce para suplantar a mera singeleza do ser, justificando-o ou até o autorizando – como se precisasse (ah, a inveja…).
Pensava nisso depois de ouvir o belo título da tese de uma amiga que, óbvio, não trago na memória. Foi quando imaginei como seria a vida cotidiana se submetida em seus diálogos corriqueiros à linguagem acadêmica. Por exemplo, a mulher chega em casa depois de gastar muito tempo e dinheiro no salão de beleza para dar uma repaginada no visual – período no qual alimentou uma série de expectativas. Porém, seu companheiro parece não se dar conta. Ela reage e parte para cobranças verbais:
MULHER: Alertas parentais e rebeldia – possíveis consequências do descarte da experiência familiar enunciada através dos conselhos nas arriscadas escolhas juvenis.
HOMEM: A clareza como virtude nas questões de gênero – uma análise estatística sobre as dificuldades relacionais quando submetidas aos enigmas do tortuoso pensamento feminino.
MULHER: A invisibilidade do outro – os crescentes bloqueios de percepção num cotidiano dominado pelo eu, agravados pelo frio domínio das telas. Estudo aplicado nas relações conjugais.
HOMEM: O masculino e o foco: vantagens competitivas da concentração – uma análise antropológica do Neandertal à Ciência da Computação.
MULHER: Autoestima e libido – a relação direta entre o desejo sexual e a valorização de aspectos concretos e imaginários diante do espelho. Compilação de razões para que a mulher tome para si a iniciativa sexual do século 21.
HOMEM: Reações químicas ao se defrontar com o sublime: balanço sobre o fluxo de substâncias tais como adrenalina, noradrenalina, feniletilamina, dopamina, oxitocina, serotonina e endorfina.
MULHER: Quem sabe faz a hora – modelos mensuráveis de reação à urgência diante do risco iminente. Ou seja: é agora ou nunca, rapaz!
PS: Essa crônica é uma obra de ficção. Os títulos de tese utilizados no diálogo são falsos. Qualquer semelhança com estudos sérios é mera coincidência.