Rubem Penz
Conheço de perto duas mulheres que escalam. Literalmente, aqui não há metáforas (ou há, quem sabe). Conheço-as com proximidade suficiente para traçar paralelos entre ambas. Aliás, duas moças com idade parecida (distanciam-se na margem de erro das pesquisas), porte bem semelhante e o mesmo brilho no olhar. Duas mulheres determinadas, guerreiras e incansáveis à vista da face que mostram ao mundo. O contorno que ambas me permitiram vê-las, e que certamente é menos íntimo do que a que alguns já imaginam, foi suficiente para sabê-las mais frágeis do que gostariam de ser. O que só as favorece, ponto nem sempre facilmente aceito por mulheres fortes. Isso, porém, é outro assunto – cuido para não tergiversar.
Recorro a elas para capturar mais uma das tantas e saborosas diferenças de gênero. Diante da montanha, o homem (macho da espécie) olha firme para ela e, no íntimo, pensa: eu a venço! Estuda, treina, busca meios e parte para o desafio. Retirará da contração de cada fibra dos seus músculos a força para movê-lo na direção do pico. Fará recuos estratégicos, ou mesmo desistirá circunstancialmente, para retornar revigorado e convencido de que é mais hábil do que os demais. Ou porque não há montanha intransponível.
Diante da mesma montanha, ali, ao pé, mergulhada no vale e mirando o paredão que parece beijar o céu, a mulher (fêmea da espécie) olha firme e, no íntimo, pensa: ela não me vence! Dito isso, mulher e montanha saberão que isso é uma verdade incontestável, pois não há tempo ou esforços economizados para cumprir o vaticínio. Mesmo a escalada sendo mais penosa para quem, na constituição física, é menos dotada; mesmo contra a sociedade que tenta impor barreiras ao dizer que isso não é coisa para meninas; mesmo correndo os riscos inerentes à masculina condição de aventurar-se (desde as cavernas é assim), ela buscará o êxito.
E lá estão, homem e mulher, no ápice da montanha, igualados no êxito. Algo lindo de se ver. Onde está a diferença? – pode perguntar quem passou correndo, distraído. É sutil. É gigante. O homem se especializou em reconhecer, mirar e perseguir o que deseja. A mulher é muito mais preparada para identificar o que não quer, outra maneira de se mover na direção do anseio. Em todos os aspectos da vida, estes dois seres reproduzem os movimentos do acasalamento, da perpetuação da espécie: um cumpre a compulsão da conquista, à outra cabe a escolha. E, para escolher, é mais importante saber o que não se deseja do que o que se busca.
Por isso, nós homens nos atrapalhamos um pouco para identificar o que não queremos, enquanto elas às vezes trocam os pés pelas mãos movidas pelo desejo. É quando a montanha vence.
Crônica publicada no Metro Jornal Porto Alegre em 13.05.14
Rubem, escalaste bem o tema! Reflexões poderosas num texto macio. E eu sigo aprendendo com as fêmes a saber o que eu não quero. Como não sou tão bom aluno, avanço devagar…Abração
Aprendemos com elas desde o nascimento até a morte, Tiago! Abração, e muito grato!