Rubem Penz
Sei que hoje são mais raros, que estão sendo perseguidos e também segregados. Mas houve um tempo em que era normal observá-los em larga escala, seus hábitos e comportamentos. Refiro-me aos fumantes. Na quase unanimidade das famílias havia ao menos um deles. Em minha casa, inclusive, pois meu pai fumou dos quatorze aos quarenta anos de idade. Neste passado recente era difícil, ou mesmo impossível, reunir amigos, colegas de trabalho ou vizinhos sem que ninguém pedisse um cinzeiro. Fumava-se muito e não havia reclamações acintosas. Jovens estranhariam, mas quem viveu esta época, sabe.
Aqui em casa não existem cinzeiros e nem fazem falta. Em minhas relações próximas os tabagistas (felizmente) minguaram. Ainda assim, os vejo fazerem por aí algo muito peculiar à espécie: se há dois fumantes no ambiente, basta um pedir licença para sair, anunciando o desejo de pitar, para o outro acompanhá-lo. Antes, quando permaneciam conosco, um acendia o cigarro e isso contaminava os demais de tal maneira que surgia um verdadeiro disparar de isqueiros. Coisa de viciado, pode-se dizer: alguém vai fumar, vou junto. Preciso ir. Urge.
Se por um lado a dependência ao fumo decaiu, há sintomas de um novo vício que parece crescer sem parar. E, estranhamente, observei incríveis semelhanças de comportamento entre suas vítimas (eu incluído) e os antigos fumantes. Direto ao ponto: em uma mesa, se o smartphone de um ocupante disparar, os demais consultarão os seus. Se alguém pedir licença para fazer ou atender uma chamada, os outros aproveitarão a pausa para correr aos seus aparelhos a fim de navegarem. O simples ato de checar as mensagens feito pelo colega de banco de ônibus é suficiente para que o vizinho faça o mesmo. Coisa de viciado? Pode-se dizer.
A julgar pelo que aconteceu ao cigarro, o futuro poderá reservar a existência de “telefonódromos” em bares e restaurantes. Exagero? Não… Cinema, teatro e shows já restringem o uso dos aparelhos. Salas de aula, também. Usuários bem educados pedem licença e se afastam do grupo para atender aos chamados. Para ler e enviar mensagens, pedimos desculpas um tanto constrangidos, caprichando na justificativa. E quem fala alto perto dos outros é visto com o mesmo desgosto de quem precisava respirar a antiga fumaça.
Breve, viciados em telas poderão ocupar lugares apartados dos demais. Impossível, dirá o descrente: todo mundo tem smartphone e usa quando e como bem quer. Mas quinze anos atrás todo mundo fumava e fazia isso quando e onde bem desejava, até que não mais. E, no caso dos dependentes das telinhas, a saúde do grupo que está em jogo. Confessa, vai: você também já olhou para o seu celular quando outro tocou…
Coluna do Metro Jornal Porto Alegre em 20.05.2014