Fuja do burro do padeiro

Rubem Penz

Contam que o burro do padeiro, por fazer todos os dias o mesmo itinerário (e por muitos anos), sabia cada curva, cada ladeira e cada parada do percurso, permitindo ao homem até dar uma cochilada entre uma entrega e outra. Espécie de precursor do piloto automático. Como não sou do tempo dos pães levados às casas com tração animal, soube da história em sua adaptação ao nosso cotidiano por meu pai: toda vez que ele se distraía ao volante, ao “acordar” estava rumando para o trabalho. Eu mesmo, no tempo de rotina menos variada, padeci deste mal. Quando, em pleno domingo e planejando ir a outro lugar qualquer, me via a caminho do trabalho, repetia indignado: Olha aí o burro do padeiro!

Trago este tema menos para dizer que as rotinas são danosas pois, até uma medida, necessitamos delas. Muito menos ainda achando ruim ir acidentalmente ao trabalho – pior é não ter um emprego.  O alerta é sobre o que fazemos quando abdicamos de pensar: o mesmo, o previsível, o enfadonho. O roteiro pré-determinado. Basta alguém perguntar por que fazemos isso, e não aquilo, para notarmos que sequer temos uma explicação. Ficamos reduzidos a categoria burro do padeiro para tudo – lazer, sabores, vestuário, companhias… Nossas escolhas deixam de ser escolhas para se transformarem em não-escolhas, em recusas. Aliás, nem recusas chegam a ser, por o restante estar fora de cogitação. Triste.

Escapar desta sina é mais fácil do que se costuma imaginar, graças a Deus. Uma das tradicionais formas é viajando, desde que o destino varie. Outra é praticando esporte e, nele, impondo a si novos desafios. Quando se tem filhos, basta acompanhar suas demandas que o inesperado acaba por acontecer – cada fase da vida traz uma mochila cheia de novidades. Porém, a grande forma de arejar a cabeça e exorcizar o fantasma do burro do padeiro é aprendendo novas atividades, de preferência criativas e sem conexão direta com a profissão. Ou melhor, para não agir sem pensar, é só exercitar o pensamento.

Dica: dia 18, 20h, no Bar do Nito (Lucas de Oliveira, 105), nove profissionais de áreas bem díspares apresentarão no Sarau Santa Sede um pouco dos seus antídotos particulares para o efeito burro do padeiro. Lerão suas produções, as quais compõem o 5º livro da oficina Santa Sede: crônicas de botequim, a ser lançado logo adiante na Feira do Livro. Convido você para sair do trilho e conhecer esse projeto, pois estamos com matrículas abertas para as oficinas do segundo semestre (Aperitivo Santa Sede). Sim: que tal cursar uma oficina literária num botequim? Quem sabe este seja bem o seu momento? Para informações e inscrições, escreva aqui para mim (rubempenz@gmail.com)!

Crônica publicada no Metro Jornal em 12.08.14

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