Encafifado diante da televisão

Rubem Penz Para os céticos, nada chega para nós por (ou de) graça. Nem mesmo a desgraça. Um engenheiro amigo do meu pai, faz muitos anos, organizou todo um discurso sobre a dificuldade das pessoas em geral para aceitarem que as coisas tanto podem dar certo quanto podem dar errado. Segundo ele, os eventos estariam respondendo a uma simples questão de estatística. Por dever de profissão, o engenheiro trabalha para minimizar as falhas, preveni-las, torná-las menos danosas se inevitáveis. Talvez nasça daí uma certa dificuldade em aceitar que alguém confie apenas, ou preferencialmente, na fé. Ou mesmo que explique os insucessos pelas vias do azar. Não digo que este profissional deva ser um incréu, mas, se for, graças a Deus: estaremos mais seguros. Por falar em engenheiros, semana passada outro deles, especializado em segurança no trabalho, me falou que regras de prevenção muito simples evitam acidentes graves – e citou a expressa proibição de trabalhadores da indústria passarem por debaixo de esteiras rolantes. Segundo ele, coisas caem de esteiras – quando não uma peça do próprio mecanismo. Portanto, estar ali, por um segundo somente, é assumir um risco desnecessário. E por que caem? – perguntei. Ora, porque a gravidade atua sem trégua, e tudo o que não está no chão pode cair. Sabe o dito aquele: passar debaixo de escada dá azar? Trocam azar por alta probabilidade de acidente. Leigo na área, tenho verdadeiro fascínio pela engenharia. Sem exagero, lembro desse pessoal toda vez que cruzo sobre uma ponte ou estou dentro de um avião. Neles, garantidores da integridade física, ponho fé! O bicho pega, porém, quando evidências contrariam olimpicamente as estatísticas, e se tornam escandalosas diante dos contrastes. Quem não conhece os primos antagônicos criados por Walt Disney, Gastão e Donald? Para um e para outro a sorte sempre sorri de modo distinto. Na dupla, o azar também faz suas escolhas. Sofrenildo, criação emblemática do saudoso SamPaulo, era outro que retratava alguém para o qual, anos mais tarde, foi formulada a Lei de Murphy. Todo esse papo sobre engenheiros, fé, sorte e azar tem um motivo: ontem olhei outra vez a Fórmula 1, como de hábito. E logo vi a emocionante disputa dos líderes Rosberg e Hamilton terminar em toque, com um perdendo parte do bico do carro e outro furando o pneu. Risco calculado. Onde falha a estatística e começa a cafifa? No pedaço que vai parar justo debaixo do carro de Felipe Massa. E ali fica preso, invisível, numa constante onda de vicissitudes as quais acometem sem cessar o piloto brasileiro. Ainda que a equipe Williams confie em seus engenheiros (com toda a razão), já passou da hora de contratarem uma benzedeira. Esse rapaz só pode pertencer à linhagem do Donald e do Sofrenildo… Crônica publicada no Metro Jornal em 26.08.14

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