Rubem Penz
“Eu não sei dançar tão devagar
pra te acompanhar” (Alvim L.)
Uma das cenas mais corriqueiras em festas do tipo “jantares dançantes” é a dos casais antigos girando pelo salão numa invejável harmonia. No fundo, lá no fundo, até o mais empedernido metaleiro é capaz de se comover com tanta doçura. Os pares às vezes são compostos de tipos muito diferentes, como homens altos com mulheres pequeninas, ou mulheres largas com homens miúdos. Mas nem assim destoam: ao contrário, parecem deslizar de tal forma combinada a ponto de comporem um só movimento. No correr das evoluções, as senhoras chegam a fechar os olhos, confiando ao parceiro a incondicional condução. Diante dos bailarinos ficamos defrontados com um sério dilema: seriam eles coesos entre si porque dançam juntos há muitos anos, ou dançam juntos há muitos anos porque são coesos entre si? Muito parecido Paradoxo do Tostines (junto com a “Lei de Gerson”, uma valiosa contribuição da publicidade à cultura popular). No enunciado: Tostines vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais? Tanto no caso da propaganda quanto no dos dançarinos, causa e efeito se embaralham e, ato contínuo, nos confundem. Indiscutível parece ser o fato de que casais jovens dançam menos e têm menos tempo juntos para, quem sabe, dançarem melhor. Por ironia, “dançar” virou até sinônimo de perder o lugar na relação. Sem sair da pista, ouço mulheres queixosas dizendo que não mais existem homens que saibam conduzir uma dama. Homens, por sua vez, denunciam a extinção das mulheres que se deixam conduzir por um cavalheiro. Os mais sensatos duvidam que ainda existam damas; as mais realistas já nem saem mais pelas calçadas com uma lanterna em busca do último cavalheiro. No afã de reescrevermos os papéis sociais, jogamos o roteirista fora junto com a água da bacia. E o maestro não consegue fazer a orquestra tocar na mesma cadência. Hoje, casais antigos girando no salão são dinossauros desavisados: sua coreografia virou registro do passado longínquo, lado a lado com as cartolas e com os espartilhos. Enquanto o leitor espera os últimos acordes da crônica, cuido para não cair na simplificação conveniente da nostalgia. Digamos que, antes, homens e mulheres aprendiam a dançar junto porque viveriam juntos: um conduzindo, outra se deixando levar. Hoje, quem sabe homens e mulheres aprendam a dançar separado para viverem separados: cada um cuidando dos seus movimentos. Simples assim. Complica apenas quando nos faz falta um rosto colado – algo que dependerá de alguém disposto a, lenta e demoradamente, nos conduzir ou acompanhar.
Crônica publicada no Metro Jornal em 02.09.14