Rubem Penz
Seria de se supor que a data da Independência de um país jovem como o nosso ganhasse enorme destaque no calendário de eventos civis e militares. Porém, desde que me conheço como gente, o 7 de Setembro perde prestígio ano após ano chegando, neste 2014, no ápice do esquecimento. Primeiro, pensei ter essa impressão contaminada pela minha rotina particular: tenho visto quase nada de TV e o jornal de domingo estava empapado pela chuva (faltou mira para o entregador colocá-lo sob a marquise, faltou ânimo para que eu pedisse outro exemplar). Depois, notei que o fenômeno foi geral: quase ninguém soube me dizer nada sobre a efeméride, e os noticiários matutinos do dia oito – ao menos na emissora mais prestigiada pelo Ibope – ignoraram a data. Por fim, li na manchete aqui do Metro que, em Porto Alegre, 7 mil pessoas assistiram ao desfile de 4,8 mil. Um fiasco pois, se apenas pai e mãe dos que desfilaram fossem ver, já teríamos quase 10 mil doando prestígio.
Intrigado, comecei a tecer hipóteses para o fenômeno. Parti considerando o domingo como o pior dia para comemorações. Afinal, um feriado no meio da semana tende a alterar a rotina e iluminar a data, nem que seja para comemorar a folga. A recente surra diante da Alemanha e a consequente saída prematura da Copa do Mundo Fifa pode ter contribuído, ferindo o orgulho nacional em um ponto sensível para a autoestima – nosso circo favorito. As eleições, que deveriam servir de estímulo para a festa cívica, oferecem o contrário: uma fachada de divergências no discurso (mal) escondendo um interior ocupado por alianças exóticas e oportunistas. O fantasma da inflação e o desempenho menos pujante do que se imaginava para a economia completam o quadro de letargia. Sem combinar, parece que todos sentiram o mesmo: comemorar o quê, mesmo?
Por coincidência, ganhei de presente de aniversário e comecei a ler o livro “O mais estranho dos países”, de Paulo Mendes Campos (Companhia das Letras, 2013). Nesta compilação do autor, falecido em 1991, as crônicas divididas em dois capítulos (Brasil brasileiro e Murais de Vinícius e outros perfis) retratam um desânimo para com nossa pátria – e olha que muitos dos textos alcançam mais de cinquenta anos. A atualidade dos nossos vícios, descritos como cotidianos no final dos anos 1950, os dramas brasileiros das décadas seguintes e a crença de que nada muda por aqui sinalizam a chegada deste estágio, quando, enfim, o 7 de Setembro passaria em branco na janela de minha alma. “Independência ou morte!”, diz nosso lema libertário. “Eterno estado de coma!”, poderia conter um honesto brado retumbante. Digo, sussurrante.
Crônica publicada em 09.09.2014 no Metro Jornal Porto Alegre