Um caso de boemia crônica

Rubem Penz

Proponho um teste de atenção: você reparou em algo novo na coluna? É sutil. É garrafal. De hoje em diante, o nome deste nobre endereço que ocupo no Metro Jornal passa a ser “Crônicas de botequim”. Ele foi eleito sob medida para enaltecer a crença de que, como nos alegres encontros na mesa de bar, a crônica é o espaço para a franqueza, para a intimidade, para o humor e, claro, para a crítica.

Em um tempo de invasão digital, no qual trocamos informações em ritmo frenético em redes sociais, a arte do encontro está se fragilizando. Porém, por mais que chats permitam a interlocutores distantes debates outrora impossíveis (o que é muito bom), eles não substituem o olho no olho, a dinâmica arte da discussão, a energia que dois, cinco, dez corpos produzem ao se provocarem com perguntas e tiradas espirituosas. A fria tela do meu laptop nunca me respondeu com um abraço, nem mesmo com um brinde.

Os mais prestigiados cronistas do presente e do passado têm em comum a arte do encontro. Tanto podem variar de estilo (mundanos ou castos, espalhados ou seletivos, populares ou cultos), quanto circularem em todos os ambientes com desenvoltura. Em ambos os casos, uma constante se mantém: colhem da riqueza das trocas os temperos para suas palavras. Eu próprio, quando determinado tema me impressiona, costumo conversar sobre ele antes de escrever. Parece mentira mas, desde a primeira frase que digo, há um esforço de raciocínio capaz de organizar o ponto de vista. E, dependendo do que dizem os interlocutores, novas possibilidades se abrem para deixar o futuro texto mais saboroso.

Desde sempre fui fã do privilegiado fórum localizado na mesa dos bares. Mais do que fã, artífice. Já cedo, ainda adolescente, treinei a eloquência no calor do debate, fiz acelerar o juízo, aprendi a respeitar a opinião do outro. Quando posso – e nada me impede –, transfiro para a crônica a faculdade de ser uma espécie de conversa na qual, se argumento, é no mais intuito de fazer pensar do que, necessariamente, convencer alguém. Exatamente como acontece nas rodas de amigos que faço questão de conservar. São meus textos, na essência, crônicas de botequim: podem não mudar os rumos do mundo e, ainda assim, mudar o dia de quem lê.

Diz Affonso Romano de Sant’Anna que o cronista é um escritor crônico, doente do seu tempo, de sua história. É sabido que, para males crônicos, indica-se tratamentos longos, ininterruptos. Na mesa do botequim, a vida me trata com muito carinho e competência. E, nela, haverá sempre uma cadeira esperando por você, um garçom de bom humor e uma lauda de prosa!

Crônica publicada na coluna Crônicas de botequim, no Metro Jornal, em 30.09.14

gostou? comente!

Rolar para cima