No gol, a hora da verdade

Rubem Penz

Acredito que no extremo momento da emoção caem todas as máscaras. Por mais controlado, frio e racional que seja um homem, ao experimentar o pico de algum sentimento, seja ele tensão, angústia, euforia, dor ou compaixão, seus atos serão fiéis ao que se passa no íntimo. Reveladores. Raros instantes de transparência. Por isso, gosto muito de olhar o comportamento de jogadores e comissão técnica na hora do gol. Quer queiram, quer não, estarão contando algo de si diante dos espectadores. Dependendo do jogo, milhões deles. E para sempre.

Por exemplo, quando quem fez um gol corre na direção do alambrado em busca do abraço da torcida: tudo que vejo é um acerto de contas. Uma retribuição de quem estava em dívida ou retirada por se considerar credor. De uma forma ou de outra, havia um prejuízo a ser sanado, e o tento costuma ser a moeda mais valorizada no futebol. Outra cena, mais fácil de ser interpretada, é o abraço no técnico: gratidão pelo voto de confiança, dividendos de um investimento anímico fundamental para que a vitória pessoal sobre o time adversário fosse alcançada. Enternecedor.

A descompressão de uma enxurrada de palavrões também é bastante comum em se tratando de futebol. Não há alegria – o que vemos é um brado de raiva, rancor e ódio contra, muitas vezes, uma situação limite de fracasso pessoal ou de grupo. Um desabafo, uma catarse, um expurgo. Bem diferente daquele buscar sombrio da bola vivido pelo Oscar na fatídica derrota brasileira diante da Alemanha na Copa do Mundo. Seu (nosso) gol de honra que jamais poderia ser comemorado. Ao juntar a bola e baixar a cabeça, o jovem meio-campista protagonizou com muita verdade e altivez uma cena que entra para a história do esporte. Gesto triste, sim. Mas íntegro.

Talvez por pensar assim, vejo com muita ressalva as danças programadas e o desfilar debochado na direção das câmeras da TV, para longe dos colegas, da torcida, dos fatos. Não creio que, agindo assim, o atleta esteja realmente comprometido com o significado do momento. Ou melhor, mensuro em tal atitude o verdadeiro valor do gol para ele: um acréscimo nos milhões que virão dos patrocinadores. Ok, sou um romântico. E o futebol explora nosso amor para faturar cifras inimagináveis: o singelo maneio de mãos de uma estrela do esporte, em momento e endereço certos, se reflete até na Bolsa de Valores do Nova Iorque. Mas gosto de pensar em um mundo onde o dinheiro seja submetido ao talento, e não o contrário.

Ainda assim, vale a primeira frase: no extremo momento da emoção, como na hora do gol, caem todas as máscaras.

Crônica publicada no Metro Jornal em 31.03.15

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