A Praça dos Três Deveres

Rubem Penz

Às vezes, quando não encontramos soluções para os problemas que nos afligem, percorremos o tortuoso caminho da depuração, da filtragem, da busca da provável nascente. Desorientados, seguir adiante parece inconclusivo. Por isso, damos meia-volta e retornamos ao ponto em que, teoricamente, havia lógica. Um dos meios de se fazer isso é via análise semântica pois, creio eu, o peso das palavras tem mais força do que se supõe.

 

Domingo passado, depois de ler um pouco de jornal e, nele, um pouco de tudo, deparei-me sobrevoando Brasília em pensamento, seu horizonte “imenso, aberto, sugerindo mil direções”, como disse Fernando Brant em melodia de Toninho Horta. Depois de apreciar as asas do Plano Piloto, pousei na Praça dos Três Poderes. E pensei nos tantos poderes ali concentrados. E pensei na palavra poder e os poderes nela contidos. E pensei que tal nomenclatura, quem sabe, apresentasse um vício de origem. E pensei em rebatizá-la de Praça dos Três Deveres.

 

Em uma face, haveria um palácio cujos ocupantes teriam o dever de legislar. Quem se dispusesse a ocupar uma das poltronas dos plenários de uma das duas Câmaras, ao invés de ser investido de poder, estaria obrigado a cumprir seus deveres para com os representados. Ocupando um cargo no Dever Legislativo, tudo faria para saldar a dívida original de seu mandato. Noutra vista, um palácio construído para agrupar os homens designados ao dever de julgar. Sobre eles, um dos fardos mais pesados de levar nos ombros: a função precípua de buscar o justo, transitando por sobre o legal. Caberia ao Dever Judiciário a difusão da virtude.

 

Na minha praça rebatizada, pujante, o Dever Executivo. Nele, homens guiados por diretrizes político-filosóficas, sim, mas, acima e antes de tudo, comprometidos com os atos de gestão. Sua maior dívida seria converter o montante arrecadado do esforço produtivo dos cidadãos em contrapartidas sociais. Por exemplo, ofertar saúde digna, educação transformadora, infraestrutura compatível e legítima segurança. Dar condições mais igualitárias para que, por iniciativa e mérito, cada um pudesse contribuir com o coletivo e auferir seus ganhos.

 

Foi apenas um delírio pensar que, justo no Brasil, haveria quem estivesse disposto a colocar, desde o nome, deveres antes de poderes. E que houvesse uma disputa ferrenha entre homens honrados para chamar a si dívidas pessoais para com seu país. Mas seria muito interessante pensar nesta inversão na qual o povo verdadeiramente pudesse, e o governante principalmente devesse. Finalizo como a música de Céu de Brasília, já citada: “eu nem quero saber se foi bebedeira louca, ou lucidez”.

Crônica publicada no Metro Jornal em 07.04.15

 

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