Nossa vida em pisca-alerta

Rubem Penz

Tal como o pisca-alerta e seu oscilar constante entre o aceso e o apagado, nossa vida é repleta de luz e sombra, de contrastes. Por exemplo: antigamente, os automóveis estragavam muito mais. Cansei de enfrentar problemas de umidade no distribuidor, falhas nos cabos de vela ou entupimentos no carburador nos anos 1970 e 80. Porém, tais infortúnios, entre outros, quase sempre eram passíveis de solução com manejo semiprofissional (para não dizer francamente amador). Nos dias de hoje é muitíssimo mais raro um automóvel nos deixar na mão. Agora, quando ele apaga, o sentimento de impotência que experimentamos ao abrir a tampa do capô é frustrante.

Trago o tema porque passei por essa provação sem que eu nada pudesse fazer sábado à noite, no extremo leste de cidade, logo depois do acesso ao Campus do Vale da UFRGS. Voltávamos para casa quando o carro apresentou os mesmos sintomas da pane seca, ainda que houvesse incontestáveis três quartos de tanque de combustível. Pior: paramos na pista da esquerda da Bento. Bem pior: cansamos a bateria nas tentativas de reanimação do motor. Restou o conforto do triângulo em prudente distância e a ligação para o seguro (bendito celular!). O socorro viria no intervalo entre 30 e 60 minutos.

Como dizia, tal como o pisca-alerta, os contrastes continuaram alternadamente marcando nossa adversidade. Para o mal, estávamos na periferia e, como em toda a periferia urbana, com uma impressão de perigo iminente. Para o bem, nossa segurança em nenhum segundo foi ameaçada. Também estivemos expostos às antagônicas visões do outro. De um lado, a idoneidade da minha mãezinha foi ruidosamente questionada por motoristas que consideraram absurdo o incômodo de precisar trocar de pista perdendo, talvez, preciosos segundos para ir ao resgate do pai na forca. Tão agressivos a ponto de me convencerem a empurrar o carro para a pista da direita, cruzando a pista do meio em empreendimento de risco.

Foi quando, por outro lado, uma turma de jovens estacionou seu Uno Mille na pista da esquerda, protegidos pelo meu triângulo, e deu aquela famosa e providencial forcinha. Apagava-se a impressão de que perdíamos o contato com a humanidade e acendia outra vez a crença na bondade intrínseca. Logo depois, na margem mínima de tempo, apareceu o resgate. Sobre o caminhão guincho e com uma carona até a casa da namorada (para pegarmos seu carro) findava a desventura num piscar de sinaleira. Se você passava pela Av. Bento Gonçalves no sábado por volta das 23h e foi atrapalhado por um Logan vermelho, desculpa, viu, foi sem querer. E agradeço outra vez para a rapaziada do empurrão e do socorro: alguém lá em cima sorriu aliviado com Sua criação.

Crônica publicada no Metro Jornal em 14.04.14

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