Rubem Penz
é terno o inferno
aqui de cima do muro.
Guilherme Becker
Tenho lido muito sobre a crescente influência do diabinho no ombro dos outros: nunca tantos protestaram tanto contra malfeitos alheios. Ou, quem sabe, tais protestos jamais galgaram tamanha repercussão em tempos idos, antes das mídias colaborativas. O pior é que, se pararmos para pensar, o constante dedo acusatório em nada parece contribuir para a melhoria do mundo. As denúncias não se convertem em renúncias, o flagrante já não dissuade, a luz acesa não constrange mais ninguém. Convivemos em surto de decepção, no limiar do caos, mas, estranhamente, como se nada doesse aqui dentro, em nosso peito.
Pensando nisso, dei-me conta de que hoje menos espanta a tagarelice do diabinho do que a mudez do anjo no ombro oposto. Enquanto um sempre foi ágil para nos pegar no contrapé e, súbito, sugerir o caminho da vantagem pessoal, houve um tempo em que o outro (o anjinho) também assoprava sugestões de pequenas bondades. Sabe aquelas gentilezas improvisadas, as quais, depois, pensamos: nossa, ainda bem que eu estava passando para ajudar? Daqui a pouco serão elas a merecerem manchetes nos jornais, tamanha raridade.
Um exemplo prosaico do silêncio dos anjos foi ofertado por um senhor para o qual dou carona com alguma frequência de dentro do condomínio no qual moramos até a estrada onde passam os ônibus. Disse-me ele, em tom de lamentação, do assombro em ver vizinhos desviarem os olhos para evitar o acanhamento ao passar reto, quando a gentileza seria forçosa. Até aí, imaginei o diabinho ditando o egoísmo: você paga uma taxa para que a van leve as pessoas que estão sem carro e, se ele perdeu o horário dela, não é problema seu. Mas, e o anjo? Nem alguns metros depois ele aparece para sibilar: custava muito dar carona? Em sua queixa, aquele senhor suplicava por mínimo de peso na consciência. Ainda que insuficiente para dar marcha a ré, capaz de influenciar futuras decisões.
Amplificando nesta crônica o lamento do idoso parecerá que estou, também eu, na confortável condição acusatória, apontando o mal para adiante. Mas, tão experiente, por que corro este risco? Pela louca crença no contrário: tento com o texto, nem que seja na condição de boneco de ventríloquo do diabinho, retirar meu próprio anjo da letargia. Sua confortável mudez me deixaria em cima do muro. Não, não quero ser neutro. Muito menos ser poupado das dores da consciência. E você, deseja calar seu anjo?