Ao prosear com Sérgio Napp

Rubem Penz

Diga você: letra de música é ou não é poesia? Podemos definir Chico Buarque como poeta? E Noel Rosa, Cartola e Tom, serão eles compositores? Para piorar: como classificar Fernando Brant, Cacaso e Aldir Blanc, por exemplo, que nunca foram músicos? Seriam letristas?

Faz alguns anos, tive a honra e o privilégio de percorrer o Rio Grande do Sul levando essas questões na mala de garupa. Acompanhava um dos maiores letristas de nosso tempo, Sérgio Napp, em um ciclo de debates promovido pelo SESC-RS. O plano era compor um painel a partir do qual cada um na plateia escolhesse um lado da questão, uma vez que consenso não há. Cabia a mim arregimentar argumentos que concorriam ao sim (são poetas) para contrapor às consistentes colocações do Napp no sentido oposto. Ele, convicto. Eu, convencido de que uma oportunidade dessas dispensa certezas.

O escritor Sérgio Napp, além de suas qualidades na prosa e na poesia, sempre defendeu ser “letra de música” um gênero literário separado, nem maior, nem menor do que os outros. Algo muito próximo da poesia, talvez, mas com implicações particulares as quais, necessariamente, impunham uma classificação reservada. O fato de ser impossível musicar determinados poemas, para ele, seria prova cabal. Também em razão de ser pretensioso demais classificar de poéticas algumas letras simplórias que, embaladas pela melodia, cresciam a ponto de surtir efeito estético esplêndido. Como discordar do mestre? Era minha função…

Só para fins de registro, eu argumentava que a música foi o primeiro suporte para a poesia. Antes de ela existir impressa, era apoiada em uma ladainha menos ou mais complexa para que guardássemos na memória. Portanto, pela ordem cronológica, a polêmica estava invertida. Ou seja, poesia é que deveria ser ou não ser letra de música. O interessante é nos damos conta de que a melodia é uma base muito exigente: ali, não se pode construir versos fora da métrica. Além do mais, como aprendi com Jerônimo Jardim, outro grande mestre, as palavras não devem trair as intenções das notas musicais. Ao migrar de audição para visão, a poesia se libertou e passou a trilhar outros e diversos caminhos.

Na sexta-feira de triste lembrança, durante a despedida de Sérgio Napp, havia um tão grande número de músicos quanto de escritores em seu prestígio. Para todos, ficará a saudade de uma pessoa rara – o administrador que ergueu a Casa de Cultura Mário Quintana, o intelectual atuante, o escritor, o poeta, o letrista. O amigo. Em pensar que passei meio ano ocupado com a divergência, justamente acompanhando um artista cujo talento é prova de que criação é, antes de tudo, o ato de convergir!

 

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