Rubem Penz
Na minha juventude, dez entre dez textos que se propunham a questionar, avaliar e transformar as coisas continham a palavra conscientização. Não uma só vez: em diversas frases. Salvaríamos o mundo de toda iniquidade a partir do momento em que fôssemos capazes de tomar consciência do que nos rodeava. Cabia a professores, artistas e pensadores a árdua tarefa de conscientizar – uma espécie de semeadura cuja incumbência era fazer com que brotasse o senso crítico em mentes adormecidas. À época, se bem me lembro, os maiores inimigos do povo eram sua ingenuidade, estreiteza e domesticação. Pequenos favores compravam (in)consciências; severo controle sobre a difusão de novas ideias influenciavam consciências; poder na mão de poucos subornava consciências. Isso faz muito tempo… Paulatinamente, o termo “conscientização” foi rareando até o ponto de parecer extremamente datado.
O que tenho visto por esses dias é o domínio da palavra empoderamento, uma tradução do termo inglês “empowerment”. Basta reparar: em artigos de tamanho médio ela pode aparecer, fácil, umas quatro vezes. Já que não salvamos o mundo através da conscientização, vale tentar por intermédio do empoderamento. Mais uma vez está nas mãos dos intelectuais, a elite do pensamento, a tarefa de parir o senso crítico. Domesticação, estreiteza e ingenuidade continuam a ser deploráveis. Pequenos favores, controle sobre novas ideias e centralização seguem como obstáculos. Às minorias oprimidas cabe o direito – e o dever – de se opor ao ciclo de submissão. É a velha conscientização, agora vitaminada (“vitaminada” é outra expressão que ressuscito hoje).
No caso de uma palavra ou de outra, o que chama a atenção é o fato de ambas clamarem por uma ação anterior. Um “estar disposto”. Convencer-se de que é preciso refletir. Senão é malhar em ferro frio. Ninguém desperta uma consciência postiça – o nome disso é doutrinação. Ninguém delega poder ilegítimo. Consciência e poder devem corresponder a um desejo subordinado ao conhecimento (educação) e à responsabilidade (cidadania). A vantagem destes nossos dias, na comparação com os de minha juventude, é que hoje há democracia e nela, bem ou mal, o contraditório. Nem tudo estará perdido enquanto houver liberdade suficiente para você ouvir sua própria consciência e, com ela, poder agir. Ou nada fazer – desde que consciente do que isso significa.
Crônica publicada no Metro Jornal em 12.01.16