BM orienta: #utilidadepublica

Rubem Penz

“Procure carregar somente o necessário pela rua”

– Boa tarde, gostaria de fazer um BO. É que fui assaltado faz meia hora.

– Sem problemas. Tá difícil, né? Diz aí: levaram muita coisa do senhor?

– Toda minha fé na humanidade.

– Como assim? O senhor não viu nossa orientação de andar somente com o necessário?

– Vi, sim. Mas a vida inteira andei carregado de fé nas pessoas. Uso o tempo inteiro. No ônibus, creio no motorista; no trabalho, creio em colegas e clientes; na rua, creio em quem passa por mim…

– Certo, mas agora já sabe: se readquirir, não leve tanta fé. Só o indispensável. E surrupiaram mais alguma coisa? A calma, por exemplo, foi?

– Não. Disseram para eu ficar com ela, senão era pior pra mim. Ao invés da calma, que nem me importaria em perder, levaram minha paciência.

– Ah, pudera… Artigo raro, vale muito nestes tempos. Ninguém mais tem paciência pra nada. Era muita?

­– Muita.

– Bem feito… Quer dizer, a gente vive dizendo pra população não carregar pertences de valor. É dar mole pro meliante… Então, fé na humanidade, paciência, só isso?

– Quem dera. Roubaram a esperança, também.

– Qual esperança, senhor? Assim, de que tipo?

– Ah, toda. Nas autoridades, no futuro, no país… Levaram até minha esperança na democracia, e essa é de estimação. Preciso recuperá-la, compreende? Quando vejo pessoas sem esperança na democracia chego a sentir um aperto no peito. Uma dor…

– Bom, pelo menos deixaram o senhor vivo, né?

– Mas isso lá é vida, escrivão? Sem fé na humanidade, sem paciência, sem esperança?

– Aqui está: dá uma lida no BO, preenche os campos. Vê se pega no balcão um folder com orientações sobre como andar pela rua. Ali explica tudo. E sempre que puder, ande só carregando medo, ok?

– E se eu perder o medo?

– Ah, isso ninguém vai querer. Já pensou o cidadão sem medo, que ruim pros negócios? Né?

 

Crônica publicada no Metro Jornal em 12.04.2016

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