Sobre aves de alta plumagem

Rubem Penz

Conta a fábula que uma coruja, ao ter notícias de que uma implacável águia alçara voo dos pinheirais, tratou logo de marcar um encontro com ela. Declarou sua total concordância com o apetite da colega de rapina. Chegara o tempo de boa caça. Desde que, obviamente, poupasse seus filhotes:

– Dona águia, saiba que há muitos ninhos por aí. Uns antigos, outros novos. Alguns, ainda que antigos, estão abarrotados de novos filhotes. Gordos, apetitosos. Opulentos. Não faltará quantidade, opções ou facilidades. Prevejo muita fartura. Resguarde, assim, minha humilde ninhada do afã de suas afiadas garras.

– Claro, dona coruja. Mas, como hei de reconhecê-la?

– Ah, será fácil! Dentre todos, serão meus os mais belos. Os mais limpos. Os mais encantadores. De longe poderá ser vista a aura de bondade. Suas intenções são leves como plumas. De seus bicos, saem apenas pios adocicados. Há candura no olhar.

Águia firmou promessa: pouparia os filhotes da coruja. Porém, passados poucos dias, enquanto planava no horizonte aberto, dona águia viu um portentoso ninho. Deu voltas, voltas e mais voltas urubuzando com muita atenção. Depois, num cruel rasante, movida por total convicção, a ave devorou inclemente cada um dos herdeiros da coruja.

Dona coruja, ao saber da notícia pela rádio – que transmitira ao vivo a ação da águia – foi ter com a traidora, muito aflita e inconsolável:

– Dona águia, sua falsa! Não havíamos acordado clemência aos meus filhotes?

– Nosso acordo está de pé, dona coruja! Até o momento, ainda não me deparei com beleza, asseio e encanto. Tenho vislumbrado tão somente auras obscuras guiadas por intenções dissimuladas. Ouço apenas arrepios de ódio e, em cada olhar, desconfiança. Nem devo ter chegado perto de seu ninho…

– E os de hoje? Eram eles os meus filhotes, águia infiel!

Moral 1: quem ama o feio, bonito lhe parece.

Moral (?) 2: águia e coruja têm diversos nomes, dependendo de quem conta a fábula.

Moral (!?) 3: esperto mesmo é o quero-quero, que canta longe do ninho.

Crônica publicada no Metro Jornal em 17.05.16

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