Quando o amor persiste

Rubem Penz

Será escrever parecido com amar?

Escolher, refletir, ordenar, criar, subtrair. Escrever, enfim, algo que se faz no agora anterior à leitura – este agora seu, diante do texto já publicado –, depende de algum talento e muita persistência. A folha branca, hoje mais para tela em branco, demanda fé, esforço e perseverança. Um espaço aberto em nosso tempo. Um tempo ampliado (quando não eterno) impresso no espaço ocupado pelas palavras. Mesmo a quem ama escrever, escrever dói. Por vezes cansa. Nunca é fácil.

Como igualmente não é fácil amar. Amar a quem? (escolher) Amar por quê? (refletir) Quando amar? (ordenar) Amar como? (criar) Deixar de amar? (subtrair) Amar, enfim, algo que acontece primeiro dentro de nós, chegará a alguém – ou a alguma coisa – um átimo depois. Ou nunca, como o texto que teve a gaveta por destino. E cada relacionamento será inédito, construído e revisado sobre um cotidiano em branco, como a esperar sua composição. Persistente mesmo na dor, na exaustão, na dificuldade.

“O amor acaba”, crônica de Paulo Mendes Campos, emprestou seu título para uma coletânea publicada em 1999 pela editora Civilização Brasileira (republicada em 2013 pela Cia das Letras). Ali, o escritor nos confidencia o final do amor em instantes tão prosaicos como “num domingo de lua nova”, ou com líricas metáforas: “no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores”. Tudo para nos dizer que o amor acaba a qualquer minuto “para recomeçar em todos os lugares”, bem como uma nova página a ser escrita.

Para celebrar a memória deste escritor fundamental, o seleto grupo de cronistas da oficina literária Santa Sede aceitou o desafio de reescrever o livro “O amor acaba”, na crença de que, como no amor, uma obra pode recomeçar em todos os lugares. Especialmente na mesa do bar, entre amigos cujo ponto de convergência é a paixão pelas palavras. Assim nasceu “A persistência do amor” (Ed. Buqui), antologia de crônicas que será lançada hoje, às 19h, no Apolinário (Rua José do Patrocínio, 527). Ali onde nos reunimos para compor muitas histórias. Boas histórias. Necessárias. Sublimes.

Fica assim registrado nosso convite a você, leitor. Convite meu, é claro, e dos cronistas Ana Luiza, André, Dora, Felipe, José Elias, Linda, Mª Isabel, Mª Lúcia, Marta, Michele, Patrícia, Paula, Sílvia e Tetê. Venha saber se escrever é parecido com amar com quem já descobriu ser o amor muito, muito parecido com o escrever.

Crônica publicada no Metro Jornal em 18.10.16

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