Deixei de ajudar em casa

Rubem Penz

Sabe desde quando eu não ajudo mais nas tarefas de casa? Primeiro, devo dizer quando comecei a ajudar: foi na adolescência. Há época, meus pais decidiram abrir mão de empregada doméstica. Até então, eu era responsável pela ordem do material escolar, e olhe lá. De um dia para outro passei a arrumar o quarto, fazer rodízio com minhas irmãs na louça e, na faxina, assumi o comando do aspirador de pó. (Caprichava no penteado dos tapetes mais altos.) A roupa suja precisava ser levada ao cesto, as toalhas penduradas para secar, travessas e pratos retirados da mesa após a refeição. Não era exatamente um prazer, tampouco tirou pedaço. Mesmo sob protesto, obedecíamos.

Ainda sobre o tema, devo dizer que adoro ajudar em qualquer situação, e isso apenas me torna igual a vocês, leitores. Este prazer faz parte de nossa natureza e é muito positivo. Compensador. Lembro a satisfação em ajudar a desatolar carros na beira do mar quando não existia estradas entre as praias e, ainda no litoral, de como era bom dar uma força na hora de puxar uma rede pesada de peixes (de quebra, ganhar uns papa-terras). Ajudava a vó Morena na missa – isso me tornava importante. Sempre ofereci auxílio a quem está no chão para se levantar (no futebol, por exemplo) e, ainda esses dias, ajudei um senhor no ônibus juntando a caneta que ele deixara cair. O sorriso e o agradecimento recebidos foram muitíssimo mais valiosos do que o (nenhum) esforço dependido.

Voltando às tarefas do lar, deixei de ajudar no exato instante em que não estava mais na casa dos pais. Primeiro, eventualmente, em passeios com a turma de amigos, com as namoradas, com colegas de faculdade. Não ajudava. Depois, ao me casar desde a primeira vez: aí que não ajudava mesmo! Sabem por quê? Porque eu fazia. E muito mais fiz quando vieram os filhos, e ainda faço tudo o que for preciso até hoje, sem data para aposentadoria. Neste interim, houve época em que contava com empregada doméstica, um alívio de segunda a sexta-feira. Hoje, apenas faxineira – abraço, Jandira!

No centro da questão está uma diferença sutil e gigantesca entre ajudar e fazer. Ajuda é voluntária, depende de solidariedade, de disposição. Um favor. Fazer é obrigação, encargo. Responsabilidade. Por isso, fico escandalizado com casais cujos maridos ajudam em casa. Se as tarefas não forem vistas como deveres, nenhum dos dois estará agindo corretamente. Homens: é tempo de assunção! Se vocês fazem, não sejam rebaixados a ajudantes. Mulheres: é tempo de partilha! Se eles já ajudam, que agora façam, virem protagonistas.

PS: na casa da mãe, ainda só ajudo. E preciso ser rápido, senão ela não deixa…

Crônica publicada no Metro em 14.03.2017

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