Embromadinho
Rubem Penz
Quer se sentir embromadinho? Tente lembrar que em muitas cidades, nesta cidade, construções irregulares sobem pelas encostas dos morros a olhos vistos, diante de todos e das autoridades, esperando apenas que uma chuva mais forte provoque o deslocamento de solo com direito a perdas de vidas, de patrimônio, de sonhos, de futuro; tudo pronto para nos desesperarmos tal qual em Brumadinho.
Quer se imaginar embromadinho? Experimente olhar para as marquises acima de nossas cabeças, aquelas mesmas que expõem rachaduras, infiltrações, falhas evidentes e que transformam nossas calçadas em mini zonas de risco, aguardando o momento em que os materiais desistam de sustentar o concreto e o transforme em pesadelo, instante de chorarmos tal como em Brumadinho.
Quer se reconhecer embromadinho? Analise com vagar e atenção a manutenção das pontes nos rios, vales e riachos em nossas ruas e estradas, onde o piso se abre em falhas, deteriora-se, vê sua estabilidade ser comprometida por movimento de solo nas encostas, ou preste atenção em quantas obras novas despencam sobre a via, de um minuto para o outro como em Brumadinho.
Quer se aperceber embromadinho? Aguarde cada uma de nossas pequenas, médias e grandes tragédias, repetidas em intervalos miúdos, e veja todas serem transformadas em inférteis disputas ideológicas, jogos de empurra, acusações de cuecas, processos intermináveis (onde a barreira rompe no lado mais frágil), notícias apelatórias, profecias do passado, e-xa-ta-men-te como em Brumadinho.
Quer se assumir embromadinho? Considere, pois, que estamos em um país que arrecada milhões em impostos, empreende, forma profissionais para postos chave, de alta complexidade, de segurança, de responsabilidade, eletivos, concursados ou contratados, dos quais se espera tudo, tudo, tudo menos a embromação quando há vidas em jogo, sobre as pontes ou sob as marquises, ao pé do morro ou no alto da barragem, sob a mira de um revólver ou na faixa de segurança, todo instante clamando por algo tão nobre e necessário como água e ar: CONFIANÇA.
Falta confiança ao brasileiro. Ou mais: ele goza de uma incômoda e dolorida certeza, antiga e cotidiana, de ser embromadinho. Aqui, em Mariana ou em Brumadinho.
Perfeito. Há o que lamentar, mas não com que se surpreender.
Obrigado, Mara!