Momento nuvem

Momento nuvem

Rubem Penz

Há um antídoto muito poderoso para aqueles que sofrem de delírios de grandeza – ir ao Parque Nacional dos Aparados da Serra, ali na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nem todos os cânions estão franqueados para visitação, mas isso está longe de ser um problema, desde que tenhamos ânimo e pernas para as trilhas do Fortaleza e do Itaimbezinho. Caminhar pelas encostas daquelas paredes de rocha é uma espécie de lição de humildade diante da natureza exuberante e mortal – um passo a mais, um mísero resvalar, e a beleza se transforma em tragédia. Vida na intensidade do limite, ápice e mergulho, vertigem.

Outra visão incrível, para além dos desfiladeiros – 950m de altura em média – e da distância de até dois quilômetros entre uma parede e outra, é a do tempo. Tais formações naturais existem há muitos milhões de anos, época em que havia vulcões derramando lava e conformando a Serra Geral brasileira. Isso torna perceptível ser a nossa dimensão temporal na cidade muito tacanha – costumamos achar antigo um bairro centenário, um apartamento com décadas, um comércio com anos, um evento de dias. Um tapa no topete destes mamíferos bípedes que se acham tão senhores do destino do mundo, e cuja ação para o bem e para o mal alcançará, na mais promissora hipótese (alerta de ironia), sua própria extinção.

Vida na intensidade do limite, ápice e mergulho, vertigem.

Cheiro do mato, a brisa capaz de amenizar o calor do sol de fevereiro, natureza verde e intocada até onde a vista alcança, certeza borboleta de fauna escondida entre pedras, troncos e folhas… Imensidão e detalhes competindo pela nossa atenção a cada instante compõem a trilha para além da trilha. Não se pode cobrar a mesma estupefação de cada um dos caminhantes, apenas reconhecer o acerto de terem reservado um átimo de sua rotina para mirar o belo, o esplêndido, o infinito. Deixar-se invadir pelo silêncio absoluto, vibrar o tanto quanto possível com o eterno. No alto do Fortaleza, o aqui e o agora se tornam o tudo e o nada. Um momento nuvem – cada um de nós uma gotícula de água, se muito.

Ainda assim, a própria consciência de nossa minúscula insignificância já nos torna grandes (ao menos engrandece quem alcança tal patamar). Pensava nisso enquanto transpunha a fronteira entre o lado de cá e o lado de lá de uma trilha de formigas pretas. Diligentes em seu trabalho de alimentar o formigueiro antes de o inverno chegar – inverno, aliás, inclemente em Cambará do Sul –, pouco se importavam em estar a parcos metros da belíssima e ruidosa Cachoeira das Andorinhas, com seus quase 170 metros de altura. Ao mesmo tempo, outras formigas estavam na mesma rotina na cascata Véu da Noiva (quase 300m de queda), outras no pequeno sítio vizinho de nossa pousada, outras aqui no quintal de casa, outras e outras e outras por aí. Transcendência nenhuma.

Ah, os íngremes penhascos… Eles têm a ventura de nos proporcionar humildade, elevação para poucos. Aos demais, aqui e ali, restará viver formigamente.

 

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