Enredo delirante

Enredo delirante

Rubem Penz

Ninguém me contou, eu estava lá na Rua da República no sábado de Carnaval curtindo a folia de Momo no meio de todas as gentes. Vi, entre blocos e foliões, muita Guarda Municipal e Brigada Militar cuidando para acontecer menos o que acontece sempre. Vi apartamentos tolerantes com a festa. Refiz trilhas com a minha meninice foliã. E, ao deixar o palco da alegria, restou uma pulga atrás da purpurinada orelha: por que em Porto Alegre tudo é tão difícil?

Carnaval não é exatamente uma surpresa: ele acontece uma vez por ano, dura quatro dias de roteiro muitíssimo previsível. Ou seja, com inteligência mediana, escasso planejamento e foco é possível pensar com antecedência o ano seguinte. Debater o que não funcionou, buscar alternativas e – sonho meu! – chegar a uma tradição. Recife, São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro conseguem. Jaguarão consegue. Arroio Teixeira! É inacreditável ser aqui o túmulo do samba.

Pensei numa ideia quase tola de tão simples: aproveitar o mobiliário urbano. Existe um lugar sem vizinhos próximos, mais amplo do que apertadas ruas de bairro, dotado de infraestrutura de palco e uma bela paisagem como moldura. Fica centralizado e tem lugar tanto grátis quanto pago para estacionar o carro. Ali, dá para criar área de alimentação para food trucks e carrocinhas na Avenida, mais de uma área de banheiros químicos, espalhar lixeiras, vender painéis de patrocínio e ter, fácil, duas atrações musicais por noite. Falo do Anfiteatro Pôr do Sol.

Andar pela cidade é mais legal? Criem-se saídas de blocos em roteiro animado com o anfiteatro como ponto de destino. Encerre-se a noite com um périplo atrás da charanga pelas vias onde só têm prédios públicos em roteiro circular. Num só tempo, carnaval em movimento e estacionário. Pessoas muito simples, humildes até, criaram atrações quase seculares em outras cidades. Há que se ter capacidade institucional para tanto. Tanto? Digo melhor: tão pouco.

Em meu delírio, a festa teria início no poente com a chegada dos blocos a encontrar quem lá estivesse no “esquenta”; fogos (silenciosos) anunciariam os primeiros acordes do naipe de metais, e a função terminaria ao amanhecer. Sábado, domingo e segunda-feira. Opa! Um problema: isso parece conciliar muitos pontos de vista, agradar muita gente, ser lógico… Consensos são perigosos – podem dar certo.

PS: texto publicado no jornal Zero Hora em 06 de março de 2019

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