E agora, João?*
Rubem Penz
E agora, João?
O concerto acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora João? Você que é seu nome, que zombou dos outros, você que fez versos, que amou, criou, e agora, João?
Está sem ribalta, está sem voz (será o ar-condicionado?), está sem banquinho, já não poderia beber, já não poderia fumar, cantar já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora João?
Mas você jamais morrerá, você é eterno, João.
E agora, João? Sua doce palavra, seus (nossos) instantes de febre, sua gula e jejum, sua discoteca, sua lavra de ouro, seu terno de artista, suas (nossas) incoerências, seu ódio e amor, – e agora?
Com o violão nas mãos, quer abrir a canção, não existe canção; quer morrer no mar do Leblon, mas o mar secou; quer ir para Bahia, Bahia não há mais! João, e agora?
Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a Bossa Nova tão brasileira, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse… Mas você jamais morrerá, você é eterno, João.
Sozinho no escuro – qual artista sem público –, sem microfone, sem refletores para iluminar, sem orquestra e maestro para abrir contagem, você toca, João! João, para quem?
Para nós, João. Para todos nós, para sempre, para nunca mais.
***
Quem de nós, talvez inspirados pelo filme Meia-noite em Paris de Allen, jamais se imaginou em outro tempo e lugar? Pois em meus devaneios, gostaria de estar lá no Rio de Janeiro, nos anos 1950, e ter a oportunidade de me sentar à mesa com Tom, Vinícius, Bôscoli, Maria, Braga, Duran, Mendes Campos e alguns outros. Quem sabe, até, à noite no quarto do hotel Copacabana, merecer um telefonema de João Gilberto? Mas aí fica a pergunta: e se ele resolvesse varar a madrugada do outro lado da linha, eu teria repertório para sustentar a conversa? Pois é. Jamais saberei. RIP João Gilberto. Viva para sempre no panteão da música mundial do século 20.
*Um pequeno empréstimo de Drummond