Tony Ramos morto a tiros
Rubem Penz
Uma das mais divertidas lembranças que tenho da infância e juventude remonta o hábito de ler as manchetes das revistas sensacionalistas e de fofocas nas bancas de jornal. Nelas, com muitíssima frequência, atores e personagens eram embaralhados em busca de um título com impacto. O que miravam? Levar o leitor para dentro da revista, de preferência depois de comprá-la, é claro. Lá no conteúdo, já na foto da reportagem, a cena da novela desvelava o artifício. Entre a esperteza e a ingenuidade – ainda não compreendi – eu me perguntava: nossa, mas isso ainda funciona?
Funcionava, claro. Atenção ao verbo no passado.
Hoje, tudo está mais delicado. Com o tsunami de informações a afogar os leitores nas diversas mídias, é brutal a chance de alguém permanecer apenas com a informação do título para fazer juízo de valor ou passá-la adiante sem ler o conteúdo. Quando isso acontece, volto à minha máxima: um título, antes mesmo de ser bom ou ruim, precisa ser fiel. Agora, se nasceu como pegadinha, ou armadilha, a vítima não é mais quem lê – agora, a vítima é quem escreve e, sim, a verdade dos fatos. E a ironia será uma garantia de tiro pela culatra – vivemos um momento de letal literalidade.
Se está difícil para jornalistas, articulistas e cronistas, artesãos da palavra, mensure-se o quanto complicou aos leigos.
Mas, o que parece sombrio ainda pode agravar. Se está difícil para jornalistas, articulistas e cronistas, artesãos da palavra, mensure-se o quanto complicou aos leigos. Durante entrevistas, uma piada, uma brincadeira ou uma frase de efeito desastrada pode – e vai! – virar manchete até quando a postura pessoal é oposta ao que o dito sugere. Adiante, declarações públicas, tuítes e opiniões mal pensadas demandarão uma grande quantidade de desmentidos e explicações as quais nem sempre serão suficientes. Pior: podem vir a ser um arquivo mortal (e imortal) nas buscas por palavras-chave. (Cá entre nós: incrivelmente, há quem esteja pouco preocupado com isso e siga escrevendo, falando, digitando sem pensar.)
No meio disso tudo, ressuscitar Tony Ramos no último parágrafo, como faço agora, é a maior de todas as perdas de tempo. Primeiro, porque os bons leitores, ou ao menos os leitores, desde logo compreenderam a função que o título está cumprindo. Depois, porque os maus leitores – junto com os apressados e os preguiçosos – não seguiram adiante. Para meu pesar, eles jamais costumam chegar ao último parágrafo – este! – nem se interessam pelo desenvolvimento de raciocínios um tantinho mais complexos. Portanto, de propósito, fiz exatamente o que condeno admitindo um risco calculado. Se der errado, já tenho o título para o texto da semana que vem: “Cronista é condenado por matar Tony Ramos”.