Semdomínio *
Rubem Penz
– Por favor, pode me dizer do que se trata?
Claro. Inadvertidamente, fui morar num semdomínio. Já era estava assim quando cheguei. Com o passar do tempo, porém, foi se tornando cada vez mais fiel ao nome, como vou explicar:
Num primeiro momento havia a regra convencional de que o síndico não pagava as taxas como forma de compensação aos vizinhos doarem seu tempo em prol do coletivo. E, realmente, pelo porte, o sacrifício não poderia ser considerado “remunerado”. Até a brilhante ideia de criar um salário para o síndico – uma forma de estímulo, e de cobrar resultados na administração. E tudo ia mais ou menos bem, parecia compensador o aumento para cobrir estes custos.
Aí os conselheiros pensaram: nós que participamos de reuniões consultivas e fiscais no sacrifício, deveríamos deixar de pagar as taxas. Assim feito, pesou um tanto mais aos contribuintes. Numa reunião iluminada entre conselheiros e o síndico, este delegou para alguns a função de assessoria. Remunerada, claro, pois também se esperava bons resultados. E novos conselheiros foram escolhidos para completarem as vagas abertas. Pesou ainda mais no bolso dos moradores. Não satisfeitos, decidiram ter, cada conselheiro, um assessor direto. Remunerado, claro – questão de isonomia com os assessores do síndico. E, como o conselheiro – seu superior – não obtinha remuneração, dividia o salário do assessor consigo por baixo dos panos.
Paulatinamente a taxa condominial foi subindo e, ao mesmo tempo, faltava dinheiro para cumprir serviços diretos: o jardineiro não recebia e, assim, deixava o mato tomar conta; a faxineira não recebia e os corredores e playground estavam constantemente imundos; a manutenção de elevadores passou a ser negligenciada; retiraram o porteiro da noite e, depois, o do dia também. Nas assembleias, as únicas propostas eram de aumentar o número de conselheiros e, com isso, de assessores. Eu, sempre reclamando, fui sendo voto vencido, voto vencido por goleada, único voto contra a unanimidade.
Até o ponto de agora: um semdomínio sustentando síndico, um mundo de conselhos e seus assessores. Já estamos sem jardineiro, faxineira, segurança, portaria, manutenção e devendo no banco. A piscina está cheia de ratos e nossas ideias de administração não correspondem aos fatos.
– Certo, certo. Mas o que eu, na qualidade de bispo, posso fazer pelo senhor?
* Manchete de jornal: Um em cada 10 municípios do RS não tem arrecadação nem para manter a Câmara. E, na reportagem (quadro de soluções), incrivelmente, há somente ideias de melhorar a arrecadação.