Em cartaz aqui em casa
Rubem Penz
Chova ou faça lua, abro a porta de casa cedíssimo da manhã para apanhar o jornal diário. Sim, sim, sigo com o hábito de escurecer os dedos com a tinta impressa no papel – alguma rotina tênue a me deixar próximo de Rubem Braga & Companhia, uma vez que leite e pão entregues em domicílio já não mais existe. Também escuto rádio e vejo TV. O telefone de gancho, porém, parece ter sumido de vez. Será que um dia voltarei a ter uma linha fixa? Disque 1 para sim, 2 para não, 3 para que eu explique “o que é discar?”.
Cinema é outra coisa meio antiga que não pretendo abandonar tão cedo – tão nunca? –, ainda que tenha dificuldade em manter uma rotina intensa de idas. E, como adoro filmes, ter uma assinatura de streaming é confortável e prático (ainda mais depois de ganharmos um presente de muitas polegadas da Dona Lourdes, sogra amada). Tais opções impulsionaram muito a produção audiovisual pelo planeta, com filmes e séries de tudo quanto é canto compondo a lista de escolhas diante do sofá.
E, para alinhavar os dois parágrafos que pareciam meio descosturados, comecei toda essa conversa porque, sexta-feira passada, encartado no jornal cedinho recolhido diante da porta, a Netflix ofertou um cartaz de incríveis 1m X 62cm do filme “O irlandês”, de Martin Scorsese. Nele, lá estão Al Pacino, Robert de Niro e Joe Pesci – de acordo com o reclame, juntos pela primeira vez. Uau! Que peça publicitária bem bolada. Se não bastasse o argumento retrô sobre o desaparecimento do líder sindical Jimmy Hoffa (Pacino) e sua relação com a máfia italiana, a ideia de ter um cartaz de filmes em casa nos transporta no tempo.
Três horas e meia pois, como diz a Vanessa, Scorsese não sabe brincar se não for do seu jeito.
Na adolescência, o quarto que eu dividia com meu irmão tinha uma parede de lambri e, nela, colei muitos cartazes de filmes e de shows. Tinha lá “Verdes anos”, por exemplo, com o rosto dos protagonistas a denunciar minha própria juventude. Tinha Hermeto Pascoal, Blade Runner, Banda da Casa, Zelig e muito mais. Levar para casa um cartaz de filme ou show era quase um troféu, um prêmio. E a inveja dos que tinham contatos com o pessoal do Cine Coral, Cacique, ABC, Ritz? Tudo isso passou como um filme na minha cabeça quando desdobrei o material (sim, filme meio clichê).
Ah, o encarte bateu forte em mim, assim como especulo ter alcançado igual efeito nos demais dinossauros do jornal impresso. Restava ver o filme, e vimos no domingo. Três horas e meia pois, como diz a Vanessa, Scorsese não sabe brincar se não for do seu jeito. Só não vou poder escrever nada sobre ele, pois acabou o espaço da crônica.