Papai Noel debaixo de um caminhão
Rubem Penz
Existem algumas histórias que, de tanto contar, talvez esqueça de escrever. Histórias antigas de Natais passados, por exemplo. Não os idílicos festejos da infância – ah, para estes últimos escrevi muitas linhas e nem todas dariam conta do encantamento impresso na memória afetiva. Penso nos Natais da juventude adulta, antes dos filhos. Pois deste tempo tem uma passagem em especial que serve até de pauta obrigatória nas aulas, tão emblemática: a de um Cartão de Natal que criei quando redator publicitário. Para alguns, soará inédita. Outros, já sabem. Para mim, a oportunidade de registrar.
Corria o segundo meado dos anos 1980, talvez seus estertores e, num dezembro principiado, chegou-me feito a Boa Nova um pedido de trabalho: criar um cartão de Natal personalizado para o cliente. De preferência utilizando a razão de seu negócio como proposta de enredo, como mote criativo, como gancho – eis o jargão. Até aí nada de novo em nossa rotina laboral. O problema é que era uma empresa especializada em retífica de peças de suspensão de caminhões. Tipo ponta de eixo, entende?
Bom, aos vinte e poucos não há Herodes que nos assuste e, feito Maria, a Virgem, pari uma ideia suficientemente promissora a ponto de merecer a produção. Lamento não ter isso guardado, seria um motivo de orgulho para mostrar aos netos que, creio, ainda terei. Aliás, começando por explicar o que é “Cartão de Natal”, como ele era mandado, do hábito de enfeitarmos a sala de estar com eles etc. E, caso a história terminasse aqui, ela seria feliz como a noite dos pequeninos Sinos de Belém.
O problema é que, um ano depois, novo pedido chegou em minha mesa: outro cartão. Diferente, claro. Ou seja, precisaria unir Natal e suspensão de caminhões pela segunda vez. Gente, estrela cadente jamais cairá duas vezes no mesmo lugar! Fizemos de um tudo, até colocar o Papai Noel debaixo do caminhão, sem superar o êxito do ano anterior. Como resultado, optaram pela reimpressão do antigo – a consolação de um prêmio menor, ainda que suficiente para lembrar a grande vitória passada.
Moral da história 1: dê valor ao esforço enorme de buscarmos, a cada dezembro, novas formas de falar do mesmo nos comerciais de jornal, rádio e TV.
Moral da história 2: veja a dificuldade dos cronistas com muitas manjedouras de vida em festejar com os leitores essa efeméride outra, outra, outra e outra vez…