O preço da honestidade 2 – eu não acredito

O preço da honestidade 2 – eu não acredito

Rubem Penz

Há mais ou menos sete anos escrevi uma crônica desabafo denominada “O preço da honestidade” ( publicada originalmente no Metro e republicada em www.rubempenz.net/o-preco-da-honestidade/ ). Nela, um fato: nós, honestos, pagamos por imensos investimentos em segurança contra a desonestidade. Desde a etiqueta magnética nas camisetas da loja até bala por bala no pente das pistolas do agente privado e público, sem falar nas horas das pessoas dedicadas ao controle contra roubos, furtos e desfalques, tudo – tudo! – vai parar na conta. Nossa conta. Pois hoje trago outra nuance da mesma tragédia: as instâncias de creditação.

Há no Brasil uma ausência de fé cidadã capaz de escandalizar qualquer habitante de países desenvolvidos. Eu ou você precisamos gastar um monte de dinheiro para, ao assinar um documento, provarmos que somos eu ou você. Sem um carimbo de terceiros, este papel é uma fraude – até mesmo se for assinado presencialmente e com as partes identificadas. Sabe por quê? Porque não basta eu provar que sou eu, nem a pessoa acreditar nisso. Caberia dizer: mas isso é para nossa segurança! E retornamos ao ponto inicial – honestos pagando por desonestos. Pode piorar? Claro! Mesmo que eu tenha uma certidão provando que eu sou eu, ela perde a validade. Ou seja, em X meses, aquele custoso papel que faz uma pessoa acreditar em mim se esvai em sua fé.

A razão de eu ter voltado ao tema é muito irônica. A pedido do contador, contratei um serviço de certificação eletrônica (com prazo de três anos, claro, afinal eu poderei deixar de ser eu num determinado tempo). Recebi um boleto eletrônico com prazo de sete dias (que nem pedi) e, com ele, agendei o pagamento. Também agendei a visita presencial para fazer o procedimento. Mas não pude fazer. Motivo: a empresa que será paga para, digitalmente, certificar que eu sou eu em documentos, ela própria duvida de mim. Sacou a ironia? O agendamento documentado pelo banco não vale – eu posso estornar o pagamento, disse quem me atendeu. É a norma, justificou-se. Ou seja, normal é o golpe. Precisei reagendar para uma semana (não, não consegui via aplicativo alterar a data, se você está pensando nisso).

Pode colocar na conta da desconfiança o valor dos juros do cartão de crédito, aquele pedacinho de plástico com um chip que nos serve de fiança ao preço que faz corar o mais imoral agiota. Também o plano de criar um “cadastro positivo” quando já existe um negativo – afinal, precisam saber se você é adimplente por hábito ou só hoje. Tudo tem um custo, tudo pagamos, o tempo todo. E a parte mais divertida da tragicomédia de hoje foi, mais cedo, ao ser impedido de concluir o serviço, perguntar qual seria a razão de eu não pagar, sob o risco de ser, simplesmente, desabilitado remotamente – entre outras consequências. Algo, aliás, que estaria no horizonte de um desconfiado deste produto. Em outras palavras: eu preciso acreditar que serei três anos acreditado por quem não crê em mim. E voltar lá semana que vem, claro. Custe o que custar.

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