Bidu

Bidu

Rubem Penz

– Deixa eu adivinhar: (…)

Você aí, já esteve na situação descrita acima, quando alguém se arrisca a ler seus pensamentos? Antecipar suas ações? Concluir por você? Sim, né, todos estivemos, e dá um nervoso. Aliás, é um perigo. Nem quando pedem permissão aplicando uma interrogação na frase, resolve: a pergunta é sempre retórica – no fundo, não querem nossa autorização. Já existe uma ideia formada. A chance de não ser nada do que imaginam é enorme.

– Deixa eu adivinhar: você não coloca açúcar no café preto porque tem uma vida doce.

A vontade é de argumentar: por gentileza, defina vida doce. Seria ela uma vida tranquila? Se sim, três colheres de açúcar, por favor. Quem sabe, fácil? Duas gotas de café na xícara de açúcar, pois trabalho com cultura. Uma vida amorosa? Hum, aí até aceito dispensar o açucareiro, mas, às vezes, isso não foi exatamente uma verdade – fiquemos com a média. Honesto, honesto mesmo, é explicar que o café dispensa temperos, vale por si, é uma festa ao paladar.

– Deixa eu adivinhar: você coloca a carteira no bolso da frente porque tem medo de ser roubado.

Ora, se tivesse medo de ser roubado, nem carteira carregaria, poderia optar por andar com um só documento solto, um cartão e, no máximo, R$20,00 para emergência. Ou esconderia – conheço gente que anda até no bairro com aquelas bolsas de usar por baixo da calça, também conhecidas por “doleiras”. Franco, tanto quanto consigo, seria esclarecer que sou um camarada meio velho e, por isso, mantenho o hábito das carteiras de couro. E olha que não ando mais com pente e lenço (outrora andei). Ah, e por ser muito magro, a carteira no bolso de trás machuca ao sentar.

– Deixa eu adivinhar: você usa chapéu para parecer descolado.

Pena, mas não, não. O motivo é bem menos nobre, quase vexatório. Quando comecei a tocar cajon, baixava a cabeça por causa da postura ao instrumento. E as luzes dos holofotes faziam minha tonsura natural brilhar mais do que o conveniente. Sério, foi por isso. Daí notei que ganhava uns centímetros de altura com o chapéu. Ponto positivo. O adorno também remetia aos meados do século passado, momento de ouro da crônica brasileira – coincidência feliz. Com ele, dispensava guarda-chuva, que maravilha! E, se não bastasse, alguns julgam como bossa (seria uma bossa velha, com o perdão do trocadilho). Enfim, quase valeu a pena ser calvo. SQN.

– Agora, deixa eu adivinhar: você não gosta muito de pessoas que tentam adivinhar?

Somos dois. Ainda assim, acabaram de nos dar um tema interessante para pensar na vida.

2 comentários em “Bidu”

  1. Altino Mayrink

    Realmente, tentar adivinhar as coisas dos outros, cansa. Eu prefiro, cientificamente perguntar… Mas é uma bela crônica particular.

gostou? comente!

Rolar para cima