Bem definidos
RubemPenz
Possantes, vistosos, de contornos claros e evidentes. Quantas horas, dias, anos de trabalho dedicado e atento, quanto investimento e ânimo para tê-los, assim, definidos. Bem definidos. E admirados. Ostentáveis com a naturalidade de quem passa a impressão de serem, como são, o resultado natural e alcançável por qualquer pessoa igualmente disposta. Bom, o grau de disposição é dificilmente mensurável, diga-se – para uns será mais tranquilo e, para outros, quase impossível tal intento.
Eis aí um ponto interessante: para aqueles cuja definição custaria mais tempo, e no tempo mais esforço, nasce o desprezo por suas formas ou existência. Serão eternas uvas verdes, como ensina a fábula. Creem que quem os têm, por suposto, são meros exibicionistas. Cultuadores de um fim em si, de sucesso restrito à paróquia dos iguais. Um desperdício, em última análise. Além do mais, quem os desfaz menospreza os encantos que saltam aos olhos. Não, pior: reconhece e se rebela contra a atenção recebida, admiração deflagrada, sucesso. Mal percebe que seu ódio é um amor ao avesso, e que as pessoas ao redor reparam nisso.
Humildade talvez seja a melhor estratégia para desarmar os invejosos. Reconhecer limites, permanecer dedicado ao aperfeiçoamento, admitir que perfeição é uma utopia. Ter a consciência de que todo relaxamento será punido com o declínio e, ao persistir, a obsolescência. Mais: ter no horizonte que suas formas, tão valorizadas hoje, são diferentes das de outros tempos – e isso vale tanto para o passado quanto, por lógica, para o futuro. Somos o espelho dos moldes atuais, nada além, ainda que existam formas clássicas.
E, sobre o tema, ainda falta falar da sorte – a única explicação para o meu caso. Faço muito menos do que deveria, quase nada, e exibo razoáveis contornos. Exíguos, parcos, mas palpáveis. Ah, palpáveis (perdão ao trocadilho). Nem eu me explico, nem a ciência, a filosofia ou a fé. Desfilando na legião dos preguiçosos – outros diriam dos embusteiros – sigo a cultivar bem definidos pensamentos.