Luto

Luto

RubemPenz

Hoje lembrei de conversas com amigos sobre o luto – este período meio indeterminado, mas determinado por algumas vivências. Por exemplo: durante um ano passaremos pela primeira vez por diversas datas colhendo a ausência, guardando-a como pétala a secar nas páginas de um livro. Quando o momento se repetir no futuro, o sentimento, mais ou menos atenuado, já não será inédito e restará vivido com sua essência de vida e de morte.

Eis que recém passamos pelo primeiro Carnaval pós-pandêmico, pela primeira volta às aulas – por sua segunda interrupção. E o ciclo de um ano se completa em nossa morte da rotina, da vida dita normal, dos dias e noites sem a presença da covid-19 ao redor (à espreita). Tudo de agora em diante será a combinação de outra vez com ainda. Se não some a dor da separação, ao menos a ela somamos nossa capacidade de reagir, de seguir em frente e, com sorte, fortalecidos. Calejados. Cumpriu-se o luto.

O grave neste caso é a companhia constante da morte a regar nosso jardim. Se guardamos uma flor sem vida no livro, outras brotam, e brotam outras, outras, outras. Mortes constantes e intermináveis germinam nos noticiários e, pior, em nossas relações. Fica difícil encarar a nova vida quando contaminada por tantas perdas a gerar novos e novos e novos lutos. É como se a tarja preta estivesse tatuada sobre a pele, e não disposta na manga da camisa.

Ao mesmo tempo em que me sinto fortalecido, recuso-me em ser conformado. Já me bastam as mortes tantas, passadas, presentes e – o horror! – futuras. Minha vida o corona não levará! Primeiro, porque quero estar vivo. Depois, em ter minha vida de volta ao sobreviver. Ao menos a parte mais importante: os encontros, os abraços, os beijos, o calor da presença, o olho no olho, o brinde, o riso compartilhado, a lágrima consolada, os olhares de cumplicidade, os silêncios parceiros… Vida pulsando em conjunto.

Então, em breve, colher a definitiva flor do isolamento social e depositá-la com carinho e respeito em um livro para, do circunstancial, guardar lembranças. Sim, também foi o isolamento nossa vida. Vida resistente e solidária. Vida possível. Vida sem a morte como rega, regra, régua. Por este ideal que, todos os dias, sempre e sem recuar, luto.

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