Amar duas irmãs

Amar duas irmãs

Rubem Penz

Todos temos a exata noção do instante em que nos apaixonamos – aquele disparar de energia que faz o coração bater mais forte e acende nossos sentidos. A adrenalina. E, ainda que seja maravilhosa a história do instante em que me apaixonei pela Vanessa, estive a pensar na minha paixão pela crônica. Consultei memórias distantes e soube com clareza: meu coração acelerou ao ler “O popular”, de Luis Fernando Verissimo. Depois disso, a paixão evoluiu para o amor dedicado – só sei amar assim.

Porém, a crônica sabe: ela não foi a primeira. Antes dela, namorei firme sua irmã, a música popular brasileira. Foi a música quem me levou para as mesas dos bares, das quais só saí por causa da pandemia, e para as quais retornarei em breve. Ela, a mais faceira das duas – ambas são faceiríssimas – foi quem me deu os primeiros toques sobre relações amorosas, crítica social, cotidiano, política, família, país. Com ela, antes, eu ri e chorei, pensei e sonhei, denunciei e agradeci. Ah, a MPB…

Ainda não existia para mim Rubem Braga, Sabino e Drummond, e faziam minha cabeça Túlio Piva, Lupicínio, Cartola, Adoniran. Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Noel Rosa, Jorge Aragão, João Nogueira, João Bosco… Sim, no samba veio a primeira taquicardia – muito justo, diga-se de passagem. Antes de Paulo Mendes Campos, Maria e Vinicius, houve Vinicius na companhia de Tom, Chico, Toquinho. Paulo César Pinheiro, Caetano, Gil, João Gilberto, Edu Lobo e Carlinhos Lyra. Depois, Milton e todos os mineiros, Novos Baianos, Joyce, Secos & Molhados, Rita Lee. Djavan, Belchior e uma pá de apaixonantes nordestinos.

Já que abro meu coração, coincidiu com a paixão pela crônica alguns pegas mais ousados com a MPB. Ainda amando todos os acima citados (e certamente está ficando muita gente de fora), passei noites insanas com Luiz Melodia, Gonzaguinha, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Ney Lisboa, Eduardo Dussek. E não posso deixar de fora toda a turma instrumental, que vai de Sivuca e Hermeto até Gismonti e Baden (opa, Vinicius aparece aqui também), de Zimbo Trio até Medusa, de Naná até Nenê. Ah, e Robertinho Silva…

Ainda bem que a crônica não tem ciúmes da música, e ambas sabem que tenho a capacidade de amar igualmente. Aliás, faço questão de estarem próximas: todos os livros da Santa Sede têm epígrafes musicais, recurso muito frequente em minha própria produção. Sem falar na paródia, outra irmã com quem ando de mãos dadas. Quem precisa ter uma dose de paciência é a Vanessa para quem, eu garanto, ser apenas na arte essa minha tendência irrefreável ao poliamor.

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Nesta quinta-feira, 04.11.21, às 15h45, estarei com Ricardo Silvestrin na mesa virtual “Letras, ritmos e melodias”, durante o V Seminário Estadual e I Seminário Internacional O Conhecimento Transforma – Literatura e Música: diálogos e entremeios, uma realização do Curso de Letras da UERGS. Valeu Tiago!

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