WhatsAppertos digitais

Pretendo aqui fechar a trilogia sobre minha experiência nos encontros à distância em geral, durante as oficinas literárias em particular. Relembrando, a primeira foi “De cem em sem” e a segunda “Um fundão incontrolável”. De alguma forma, são textos que dialogam com as demais rotinas de ensino remoto, home office ou qualquer GT teleguiado – respeitando as particularidades, é claro. Hoje, vamos falar sobre a impossibilidade cabal de organização de um debate lógico através de um grupo de WhatsApp. O quê: você consegue? Duvido! Já é difícil entre dois e, quanto maior o número de componentes, minhas vivências indicam que o caos sobe em escala exponencial.

O fulcro da problemática reside no fato de cada um olhar as mensagens a seu tempo, o que mistura questões pacificadas com dúvidas em aberto. No momento em que aquilo que já estava resolvido reaquece com mensagens novas, todos ficam confusos e ninguém sabe mais nada. Nem dá para condenar o causador do tumulto: ele tinha uma opinião relevante a ser dada, mas ela ficou fora de hora. E, dependendo do número de adeptos que ganha a tal proposta nova na discussão velha, faz cair a pauta inteira pelo efeito dominó. Feita a m****.

(…) atire a primeira mensagem de cancelamento quem nunca foi vítima do corretor, que pode trocar “pena” por “pênis” sem corar.

Mais uma: a – natural? – dificuldade das pessoas em formulação e interpretação de texto. Gente do céu, é alarmante o índice de confusão que pode nascer de uma frase mal pontuada (por exemplo) ou lida sem compreender o que a vírgula está indicando (ainda no exemplo). Só porque a mensagem é chamada de instantânea não significa que se deva gastar menos tempo escrevendo e lendo – a instantaneidade está no envio e no recebimento, Pedro Bó! [jovens, recorram ao Google] Comunicação truncada é garantia de desordem.

(Um parênteses com peso de parágrafo para o famigerado corretor ortográfico: atire a primeira mensagem de cancelamento quem nunca foi vítima do corretor, que pode trocar “pena” por “pênis” sem corar. Soube de muita saia justa a correr o zíper por causa de alterações involuntárias de palavras.)

Se já descrevi uma tragédia, falta o último ato: a distância atenua a prudência e potencializa a mágoa. De modo presencial, as pessoas tendem a ser mais comedidas ao retrucarem aquilo que foi compreendido como afronta (leia parágrafo três). Quando a temperatura sobe em debates por WhatsApp, nem sempre os debatedores têm a decência de irem brigar lá fora, compondo a média de 97 trocas de acusações que ninguém mais deveria ler. E o investimento em argumentos para trazer de volta quem deixa o grupo por se sentir ofendido, quem paga? É muitas vezes tarefa inglória.

A crônica tem tamanho e precisamos terminá-la antes do esgotamento do tema. Aliás, é até bom parar por aqui: quanto mais eu detalhar, maior será a chance de alguém pensar que “isso foi pra mim”. Acredite: não foi para ninguém e foi para todos. Até para mim, óbvio. A chance de eu ter feito um trabalho rumar ao ralo por causa da dificuldade tecnológica é de 100%. Tenha compaixão com professores, gestores, organizadores. Tudo indica que essas ferramentas vieram para ficar, com ou sem confusão. Que o Anjo da Guarda nos perdoe, nos salve e nos ilumine. Amém.

2 comentários em “WhatsAppertos digitais”

  1. Eugênia Câmara

    Bom dia! Te admiro por conseguir transitar pelos domínios da tecnologia sem maiores problemas. Até pq, nós não nascemos no mundo tecnológico. Fomos aprendendo a partir das nossas necessidades, mas por conta de uma pandemia, tivemos que aprender a lidar com ela por osmose. Mas no fim, tudo se resolve, mesmo nas turmas problemáticas. E, acredito que, dessa forma, conseguisse conhecer melhor teus alunos.

    1. Rubem Penz

      Obrigado, Eugênia! Sim, tudo se resolve… Ou não, né? Mas as dificuldades são apenas novas – no fundo, é nossa tradicional tragédia de comunicação. O mais importante: rir disso! Beijos!

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