Mega fila

Rubem Penz

Todo ano é a mesma coisa: planejamos compras antecipadas de supermercado para evitar a muvuca do dia 31 de dezembro e – saco! – algo fica para trás. Quando menos se espera, lá está o carro com o pisca-pisca ligado entrando no estacionamento do Bourbon Ipiranga (uma das nossas conveniências à leste do centro da cidade). E todo ano é a mesmíssima coisa: surpreendo-me com a fila gigante de pessoas para a Mega Sena da Virada, vista da rampa de acesso ao shopping. Em jogo, muitos milhões.

Todo ano é a mesma coisa: editores de rádio, TV e jornal viram-se para suas equipes e dão a ordem de noticiar o que pode ser feito com o prêmio da Mega da Virada e os planos dos apostadores para utilizar essa bolada. É quando descobrimos que muitas coisas mudam e outras, não. Exemplo de constância é o desejo de ajudar a família – aliviar o sufoco de pais, filhos, irmãos. E todo ano é a mesmíssima coisa: ver o brilho nos olhos de quem sonha com a vida dos milionários, com iates, coberturas, viagens, carrões, praias de mar verde e estações de esqui. Ah, e nunca mais trabalhar (como se administrar milhões fosse algo que não demande trabalho).

… rumino a teoria de que, no fundo, o brasileiro não acredita em virtude sem sacrifício.

Todo ano é a mesma coisa: por mais que os canais de comunicação exibam à exaustão a realização do sorteio, o pessoal deixa para a última hora. E mais ainda me surpreende a fila dos idosos – eles estão em quase totalidade aposentados, com tempo para evitar a correria do prazo. É como ser surpreendido com a chegada do Natal ou de Sete de Setembro ou do Dia de Finados, ou seja, eventos os quais têm data certa e marcada. E todo ano é a mesmíssima coisa: eu rumino a teoria de que, no fundo, o brasileiro não acredita em virtude sem sacrifício. Uma educação judaico-cristã a nos lembrar que habitamos um vale de lágrimas à espera do paraíso.

Todo ano é a mesma coisa: eu não jogo. É a firme convicção de que jamais ganharei. Todo ano é a mesmíssima coisa: fico chuleando que a dona Isolde jogue – ela tem muito mais sorte do que eu e sempre crava diversos número (um dia completará a contagem). Afinal, ela é brasileira e vai ajudar os parentes, a começar por seus filhos, claro. Compro ou alugo esquis?

PS: ainda não foi esse ano.

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