Poucas imagens seriam capazes de acomodar em um único clique os 250 anos de Porto Alegre, e Leonid Streliaev conseguiu a façanha. Ao retratar a cidade na lenta troca de luzes entre o dia e a noite, evidencia sua posição geográfica meridional. Quando põe ao centro a Ponte de Pedra, resgata o antigo limite da cidade. Riscando de luz a Primeira Perimetral, entre outras vias, emoldura o Centro Histórico, em cujo conjunto de edifícios está retratado o crescimento vertiginoso da capital no século XX. Destaca a cúpula da Catedral Metropolitana para simbolizar a colonização europeia e o Largo Zumbi dos Palmares referenciando a presença africana. Por fim, mostra o prédio da PROCERGS parecendo um disco voador prestes a decolar para o futuro – uma vez que lida com a tecnologia.
O empilhamento de tantos signos e tempos tem o poder de me recordar um filme antigo de Godfrey Reggio, com a brilhante trilha sonora de Philip Glass, chamado de Koyaanisqatsi. Na língua hopi, o termo significa “vida em turbilhão”. O maior êxito do filme é contrastar a lenta transformação da natureza com as urgências tecnológicas da vida urbana contemporânea. A película é de 1982. A cena de mais de três minutos de dois Boeings 747 taxiando na pista do aeroporto pode muito bem significar o que estaria por vir na troca do milênio – a decolagem digital em que estamos posicionados.
Isso é a essência da vida urbana: as variações da paisagem são tão rápidas quanto as de uma duna ao vento. Para o bem e para o mal – para frente e para trás –, bairros se transformam, lojas fecham e abrem, praças nascem, minguam e se renovam, aterros avançam sobre as águas, ícones da cultura ascendem e outros entram em ocaso. A necessária alternância democrática se ocupa em orientar as decisões de modo a criar um vetor de desenvolvimento o mais representativo possível – isso ao pensarmos em termos ideais. Hábitos mudam, pessoas mudam e paisagens mudam sem que, cada cidadão, mude-se. O porto-alegrense de hoje é outro e pouco se parece com o açoriano que desceu do barco dois séculos e meio atrás.
Somos isso, também, cidadãos: riscos de luz nessa história. Nosso brilho, ainda que efêmero, está compondo uma linha perceptível quando em conjunto. Para onde anda a cidade, em qual velocidade e relevância, depende de nós. No piscar do diafragma e do obturador do fotógrafo, estamos, eu e você, vagalumeando.
*Esta crônica faz parte da revista digital Mosaico Porto Alegre 250 anos no site da Santa Sede. Foto de Leonid Streliaev. Acompanhe este trabalho na íntegra em https://oficinasantasede.com.br/mosaico-porto-alegre-250-anos/
Texto luminoso. Baita foto também. Carinho.
Muito obrigado, Tiago! Luz para todos!
ótimo texto professor. Continuo aproveitando seus ensinamentos em minhas crônicas semanais no jornal da cidade. Tácito Cortes
Muito obrigado, Tácito! Sua leitura é um privilégio. Abraços!