Patrulha literária

Estou, de alguma forma, menos interessado no peso e nas complexidades do cérebro de Einstein

do que na quase certeza de que pessoas de igual talento viveram e morreram

nos campos de algodão e nas fábricas de roupa.”

Stephen Jay Gould

Pessoas fazem a diferença. Para o bem e para o mal, sempre elas: as pessoas. Eis uma verdade bastante incômoda pois, para muitos, a diferença é resultado de ‘condições’, ou de ‘estrutura’, ou mesmo de ‘sorte’. Não quero aqui minimizar a importância da sorte, da estrutura e das condições – reconheço-a. A questão continua a ser: com ou sem elas, existem pessoas para fazer a diferença. Sábado passado, por exemplo, testemunhei tal fenômeno retornando para Santo Antônio da Patrulha (digo retorno pois há provas de minha recente estada em https://rubempenz.net/2021/08/31/caminhos-de-volta/).

Noto que as pessoas são mais importantes do que as condições porque o antigo e simpático município pode ser um exemplo de falta ou de presença de condições para uma cena literária rica, dependendo por onde se olha. Bem mais antigo do que Porto Alegre, capital gaúcha, neste prisma Santo Antônio teve muito tempo para organizar-se em termos de cultura. Porém, a diferença entre um milhão e meio de habitantes e quarenta mil seria razoável desculpa para não existir o Grêmio Literário Patrulhense. Ele não só existe, como é muito ativo por causa das pessoas que tocam suas atividades.

E o que dizer de estrutura? Ora, lá na Cidade Alta há um bairro preservado que remonta os tempos do Império. Ocupar com atividades culturais algum destes espaços é de um charme irretocável, em pé de igualdade com outros municípios históricos brasileiros. Além do mais, a cidade tem o FURG-SAP – Universidade Federal do Rio Grande do Sul Campus Santo Antônio da Patrulha, com suas salas, biblioteca e laboratórios. Agora, para ele abrir suas portas num sábado inteiro destinado a uma oficina literária, apenas com a iniciativa e a interferência de valiosas pessoas.

Alguém até poderia arriscar que fui chamado por boa sorte, uma vez que é sinônimo de bom destino.

E a sorte, o que dizer dela? Grandes talentos das artes em geral e da literatura em particular podem nascer ou estabelecerem-se em qualquer lugar por obra do acaso. Ricas histórias de vida para serem exploradas pela cultura, também. O que nunca saberemos é quantos destinos promissores minguaram por estar em solo árido, quanta vida foi desmerecida e apagada pela falta de quem a levasse para as páginas dos livros. Aqui, outra vez, valorizo a presença de gerações sucessivas de pessoas a doar parte do tempo e recursos para regar iniciativas culturais capazes de alimentar nossa curiosidade sobre o passado, o presente e o futuro.

Pessoas muito especiais me receberam sábado passado. Além de carinho, testemunhos e escritos de improviso, retribuíram com obras que comprovam a pujança de um grupo comprometido com a cultura local, com a história do povo e com o sentido de aprimoramento constante. Alguém até poderia arriscar que fui chamado por boa sorte, uma vez que é sinônimo de bom destino. Mas, não. Passei um dia memorável graças a, por causa de, movido por pessoas. A quem sou muito grato.

16 comentários em “Patrulha literária”

  1. Bela crônica, Rubem! Pertinentes observações! Sobre o solo árido de que você muito bem lembrou, eis uma (triste) citação de Stephen Jay Gould:

    “Estou, de alguma forma, menos interessado no peso e nas complexidades do cérebro de Einstein do que na quase certeza de que pessoas de igual talento viveram e morreram nos campos de algodão e nas fábricas de roupa.”

  2. Ana Clara Maciel

    Obrigada Rubem por compartilhar conosco teus conhecimentos. Foi um sábado muito especial para o Grêmio Literário Patrulhense.

  3. Aglae Regina Silva

    Foi um sábado agradabilissimo pelas companhias e pelos ensinamentos recebidos do Ruben Penz.

  4. Sandra Maria de Jesus Reis

    Gratidão pelos ensinamentos de sábado! Já aguardando uma nova oportunidade! Abraço!

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