Parâmetros irreais

Sei que não se deve fazer isso, mas não conheço cronista livre da tentação de esticar o ouvido para capturar fragmentos de histórias em conversas alheias. E escutei essa nos corredores do shopping:

– Coitado do Charles. Aos 73, mal vai dar tempo de reinar e já assumirá o William…

Será?

Fui fazer umas contas e descobri algo interessante: se pegarmos seus antecessores no Reino Unido da Grã-Bretanha e somarmos os cinco reinados breves, teremos a média de 10,6 anos com a coroa na cabeça. Ou seja, uma meta bastante factível para alguém cuja herança genética aponta para uma esperada longevidade. Arriscaria o palpite de que chegará à medida de tempo de seu avô, Jorge VI, com seus dezesseis anos de trono. Nesta hipótese, Charles III faleceria ainda antes de completar noventa.

O problema é a distorcida importância nascida das sete décadas elizabethanas

Gostei da brincadeira e somei os cinco maiores reinados para compor outra média – a média alta. Pelas contas, William, ainda que assumisse hoje, precisaria viver até os noventa para alcançar o número de 50,6 anos esperados neste parâmetro. A cada final de dezembro, Charles III deixará seu sucessor mais distante de cumprir domínios tão longos como os de setenta anos da Elizabeth II, de 64 da Victória ou de sessenta do Jorge III.

E a média geral, qual seria? Algo entre 29 e trinta anos. Se desprezarmos os intervalos mais e menos longos, método que evita distorções, ela baixa para 27 anos. Ou seja, a tendência é o pai ter a expectativa de um reinado nem tão breve quanto se imagina com base na História, e ainda deixar William distante da média alta, até mesmo se nele projetarmos a longevidade dos avós. Incrível, né?

Enfim, coincidiu para Charles III ascender ao trono numa época em que, mesmo parecendo tarde demais, é favorecido por novas medidas em termos de esperança de vida. Descontadas as surpresas do destino, teremos pela frente duas majestades com reinados medianos. O problema é a distorcida importância nascida das sete décadas elizabethanas com seus parâmetros, ainda que reais, um tanto improváveis.

4 comentários em “Parâmetros irreais”

  1. Venâncio Edgar zulian

    Ficar ouvindo conversa alheia dá nisso. A gente fica tentado a dar pitacos. Bendita crônica, que nos livra da interferência direta. Muito boa, Rubem. Ah… e o título esta “realmente” bom! Abs

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