Para Sandra com cerveja

Quando o assunto é família, tem umas coisas estranhas. Por exemplo: os filhos dos primos dos nossos pais são nossos primos em terceiro grau. Porém, são mais próximos do que seus pais (eles de segundo grau) por pertencerem à mesma geração da gente. Às vezes nem fazemos muita diferença entre eles e os chamados “primos irmãos”, os filhos dos tios. É tudo primo igual. Por analogia, também são nossos tios os primos dos pais. Quanto mais unidos forem, tanto mais este laço se fortalece.

Onde as coisas mudam um pouco? No momento em que os tais “tios primos” não são exatamente da geração dos nossos pais. Bem mais novos, por exemplo. Quando é assim, a relação afetiva pode ser atada com cordões menos formais. Não tão íntimos como o dos primos, nem tão hierárquicos como no caso dos tios. Ainda que sejam mais velhos do que nós, a distância não é severa e as identificações se tornam naturais. Às vezes até se transformam numa espécie de espelho do futuro.

Foram dois parágrafos antes de eu chegar, enfim, à Sandra. Ela, com certeza, já estaria me olhando feio e reclamando que a enrolação está muito chata. Algum palavrão suave poderia ter enfeitado o pito (ainda se usa “dar um pito”?). E seu sorriso daria o fechamento perfeito. Relembro de Sandra e Sandra sorri em meu pensamento. Mesmo me xingando, ou especialmente nestes momentos.

Sandra faleceu neste final de semana. Câncer. Ela era prima do meu pai e se encaixava na categoria de bem mais nova do que ele, bem mais próxima de nós. Amiga íntima da tia Mariazinha, caçula dos Penz nascidos de Morena e José Alberto (meus avós). Filha de uma das mais impagáveis tias-avós que tive, Alzira, herdara de sua mãe um predicado tão valioso quanto delicado: a franqueza. Um destemor lindo de se ver e, às vezes, difícil de escutar.

Ah, Sandra não era fácil… Ou era – dependendo do ponto de vista. Os excessivamente francos, ao notarmos que essa é sua natureza, se tornam muito mais confiáveis do que os dissimulados. Quando o quadro se completa com inteligência, humor (sarcástico), afetividade plena e pouco decoro, nos vemos diante de uma pessoa nascida para ser inesquecível. Ela e a tia Alzira, agora juntas no céu, podem estar perguntando ao São Pedro se há aperitivos para o momento.

Sandra morava em Belo Horizonte e nosso contato era apenas na Praia do Barco, onde passava temporadas. Deu para nós um primo mineiro, o Christian, com quem tinha um relacionamento do tipo “super mãe”, a quem mando meu melhor abraço. Para vocês que não a conheceram, afianço: valeria muito a pena. Todas as cervejas deste final de semana foram abertas para ela. São Pedro deve ter visto e pegou carona nos brindes. Muita saudade, Sandra. Muito obrigado por ser quem você foi.

8 comentários em “Para Sandra com cerveja”

  1. Despedidas são sempre sofridas. Agora essa tua, com cerveja, é uma boa forma amorosa de se dizer adeus.

  2. Em primeiro lugar, meus mais profundos sentimentos pela passagem da Sandra. Que ela continue sendo franca e divertida lá do outro lado! Bela crônica, me inspirou a voltar a escrever. Abs

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