O tempo das coisas

Sou meio emotivo, um pouco apegado, um tanto nostálgico. Medidas que não chegam a transformar o entorno em um lar de acumuladores – apesar de ter alguém aqui em casa que exerce uma vigilância severa para atenuar estes traços para um ponto ideal. E agradeço. Numa casa espaçosa, mora conosco o perigo dos ambientes pouco frequentados, excelentes para acomodar o descartável (evito dizer “inútil”, ainda que seja um termo por vezes adequado).

Porém, devo dizer que as três características acima, ao serem combinadas com o termo “cuidadoso”, terminam por gerar grande economia. Quando aplicamos os conceitos administrativos da depreciação, os bens por mim adquiridos pagam-se muitas vezes. Um exemplo banal apareceu numa postagem que fiz no Instagram: depois da promessa de uma nova panela de pressão a desembarcar na minha cozinha (reparem, só diz “minha cozinha” quem a frequenta para além da pergunta sobre o almoço), fiz as contas sobre a idade daquela que partirá para doação – 30 anos.

Minha geração é antiga o suficiente para ter utensílios domésticos duráveis, desde que utilizados com capricho e guardados com zelo. Numa conta bem por baixo, ou seja, colocando algo a cozinhar na pressão uma vez por semana, são mais de mil e quinhentas refeições servidas a partir da simpática panela de 4,5 l de capacidade – boa medida para combinar famílias pequenas e economia de gás. Um universo de feijões, sopas, carnes de panela e outras receitas servidas com alegria e gratidão pela bênção de jamais ter passado ou deixado passar fome.

Credito esta vantagem econômica à educação em forma de exemplo oferecida por meus pais. Seu Rubem era um especialista em consertar as coisas (às vezes de forma muito criativa, diga-se, beirando a gambiarra). Dona Isolde é radical em evitar desperdícios e, em suas mãos, nada termina. Só para se ter uma ideia, sua primeira máquina de lavar roupas era tão antiga que até aprendeu a falar. Sim! No ciclo de centrifugação, até embalar o ritmo, ouvia-se claramente: me-ajuda-me-ajuda-me-ajuda-me-ajuda… Foram décadas até a aposentadoria.

Emotivo, apegado e nostálgico. Pois é, um perigo. O que me separa de eventual patologia é reconhecer no íntimo a alegria que existe em ganhar brinquedo novo, ofertado por quem nos ama (ou por nós mesmos) em merecimento. Também a certeza de que o antigo será útil aos menos favorecidos – nada que ainda esteja bom deve ir para o lixo, aqui em casa isso é lei. Encerro feliz por adivinhar quantas pessoas assentiram com a cabeça durante a leitura, lembrando de suas casas, de seus pais. E servirão de exemplo para as novas gerações. O planeta, por exemplo, agradece.

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10 comentários em “O tempo das coisas”

  1. Doralice Alves

    Adorei Rubem! Embora, diferente de ti, não acumulo o que não está em uso. Tudo vai pra doação. Minha diarista e zeladora do prédio agradecem sorridentes a cada tele-entrega. Se algo novo entrou, algo antigo vai sair.
    Esta é a regra aqui em casa.
    Onde será a sessão de autógrafos dia 01/04? Posso adquirir lá? Ou somente pela internet? Abraço, Doralice

    1. Rubem Penz

      Sim, sim – este tem sido o tempo novo. Estou com meus apegos sob controle! 🙂
      A, Doralice, o autógrafo de Aforistas será no Apolinário (República 552) e, sim, pode comprar lá. Qual a vantagem da compra antecipada? Preço promocional de R$20,00. É muito fácil via PIX.
      Abração, Rubem

    1. Rubem Penz

      Caro Nedio,
      Lembro de bacias, baldes metálicos e outros objetos reutilizados no pátio da minha vó Clara… Sua versão confere! (ainda que ela seja da década de 1900…)
      Muito obrigado, abraços!

  2. NEDIO ANTONIO SEMINOTTI

    Caro Rubem, na minha infância a expressão jogar no lixo não tinha sentido. Pq? Simplesmente p q nao havia lixo. Tudo era (devia ser) reaproveitável: a tua panela viraria floreira. Pergunte aos que nasceram nas décadas de 1940/50 onde ficava a lixeira em sua casa. Verás que nao sabem.
    Abcs

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