Há uma distância enorme entre o alcoolismo e a embriaguez. Enquanto um denota uma doença, classificada pela OMS como dependência química, a outra é um estado físico ocasionado pela ingestão elevada de álcool. Quem, como eu, conhece de perto os dramas impostos a si e à família por um alcoólatra, bem sabe a dificuldade em reverter esta condição em busca de qualidade – e quantidade – de vida. Igualmente, já fui exposto ao risco de morrer diretamente ligado ao fato de estar bêbado, e isso deixa marcas.
O preâmbulo se faz necessário para que eu comente com conhecimento de causa uma notícia trágica: a morte por atropelamento de uma moça em Cascavel, no Paraná. De acordo com o jornal, ela foi agredida por seguranças de uma casa noturna e deixada no leito da rua desacordada ou sem ação – pois ali permaneceu sem movimento até ser atropelada e arrastada por dezenas de metros. O motorista fugiu deixando de prestar socorro. Tudo teria acontecido porque ela tentava entrar no local embriagada e descomposta. A cena foi testemunhada por diversas pessoas.
Lanço algumas perguntas: qual seu sentimento diante de alguém alterado pela bebida? Seria desprezo ou revolta; condenação ou pena? Tal condição desperta solidariedade ou indiferença? Quando alguém caminha trôpego, você acha graça ou fica triste? Como está na moda, seu ímpeto diante da dificuldade de outrem é o de filmar ou de acudir? Determinadas respostas a tais questões teriam salvo a moça? Sim ou não? Talvez? Arrisco afirmar: com certeza.
Há uma crise de oferta de compaixão e, ao mesmo tempo, a demanda nunca recuou. Suponho que possa, inclusive, ter se ampliado. Mas o que mais vejo são dedos acusatórios em mãos inertes. De minha parte, nunca – nunca mesmo – deixei de proteger uma mulher em vulnerabilidade alcoólica, mesmo se for uma estranha. Compadeço-me com a situação e trato de mitigar as consequências. Aos homens? Bom, sou muito pequeno e, por isso, uma vítima em potencial da violência que costuma acompanhar a reação de um desconhecido. Aos amigos, amparo.
Muitas campanhas informam o que não devemos fazer se consumirmos bebidas alcoólicas – todas meritórias. Existe, por outro lado, um silêncio incompreensível sobre possíveis orientações para mobilizar os sóbrios quando diante de alguém bêbado. Não me considero apto a dar conta desta lacuna em uma simples crônica. Todavia, acendo a luz sobre um aspecto que dispensa profundidade: um apelo ao bom senso. Sua simples aplicação talvez tivesse sido suficiente para salvar a vida da jovem paranaense. Compaixão, solidariedade, auxílio… Onde andam vocês?
Muito bom, e muito triste, Rubem. Realmente, a falta de compaixão pode trazer consequências trágicas. E traz. 🙁
Sim, Gian. As circunstâncias desta morte são um caminho para descrer na humanidade… Obrigado!
Excelente reflexão, Rubem! O que fazer no lugar de condenar?
É difícil. Levar ao pronto socorro, deixar em casa, colocar para dormir em um lugar seguro… Muito pode ser feito diferente de deixar deitada no meio da rua, bater, condenar… Obrigado, Adriana
Tocante, sensível e provocador. Adorei!
Muito obrigado, Soraya!
Rubem, este pensamento (e atitude) de que bêbado merece castigo é a regra, mas deixar alguém desacordado numa rua é mais do que falta de compaixão- é psicopatia, infelizmente social, “Eu não consigo respirar”….
Sim, João Luiz – é mais grave do que descaso… Que triste Obrigado!
Muito boa crônica Rubem, isso me faz refletir que tão doente quanto o dependente químico é aquele que carece de sentimentos para socorrer e tirar alguém de risco!
Concordo, Sandra. Obrigado!
Quem nunca precisou de amparo numa situação semelhante, que atire a primeira pedra. Crônica necessária sobre compaixão. Parabéns
Obrigado, Marina
Precisamos muito de compaixão.