Voltava para casa no início da noite de domingo depois da reunião com o grupo que escreve um livro. De sua divertida sessão de fotos, restava-me um quase sorriso. O encontro fora num lugar distante. Uma excepcionalidade – não cumpro função em cargos ou profissões que exigem plantões em finais de semana, ou mesmo concentre nestes dias o foco de atividade. Acontece vez por outra e não significa algum tipo de sacrifício ou martírio. Trabalho, apenas o honesto e singelo trabalho.
Ao meu redor o quadro parecia ser o mesmo. Não via nas pessoas ares de quem retornava de um passeio, programa cultural, visita a parentes ou amigos. Todos traziam no semblante uma expressão de cansaço. Pensei em exaustão, mas seria exagero imagético. Alguns mergulhados nas telas do celular, outros olhando pela janela. Uns três, entre rapazes e moças, tinham os olhos fechados. Creio que não dormiam, apenas economizavam suas energias.
Dentre todos, alguém me chamava a atenção. Em suas mãos, como o mastro de uma bandeira, carregava a haste de algodão doce com a metade ainda ocupada pelo produto. Seu olhar mirava um ponto indefinido entre a janela e o interior do ônibus. Parecia olhar para nada, imerso em pensamentos. Vi naquele homem a melancolia do soldado que marcha adiante carregando os despojos da batalha de forma inglória. Estar vivo para prosseguir lutando talvez seja a única conquista a ser comemorada no final do dia.
As pequenas nuvens coloridas retornavam sem ter melecado os dedos, a boca e o nariz de alguma criança que estivesse no parque, praça ou calçada da cidade grande. O guerreiro estava com o rosto vazio – gastara todos os seus sorrisos na esperança de buscar o quinhão do dia. Nos meus pensamentos, o desejo de que aquela atividade fosse complementar à sua renda semanal. “No suor do rosto comerás o teu pão”, é o que está no livro do Gênesis.
Aprendi com meu pai que não existe trabalho maior ou menor quando há honestidade e entrega. Devo tanto respeito ao médico que cumpre seu plantão, quanto ao rapaz de luvas e uniforme que dançava a vassoura de pano no banheiro do shopping – a última pessoa a quem dei boa-noite antes de deixar o local onde estive. Apreço, porém, não entrego a todos de modo incondicional. Magníficos são os que perseveram na busca de pequenas vitórias, seja qual for sua trincheira.
Lembro desse ensinamento porque não quero encerrar com uma mensagem de revolta ou resignação diante do desconhecido vendedor de algodão doce. Sim, entristeci-me com o sucesso parcial de sua empreitada, tão poeticamente representada pela plasticidade da cena. Porém, no íntimo, tudo o que retirei daquele instante foi uma enorme admiração. Quisera que, por um só dia, os ocupantes dos palácios experimentassem a rotina do mais comum dos cidadãos. Com certeza saberiam para onde olha um homem perdido entre a transparência e a reflexão da janela.
Muito bom!
Obrigado, Ronaldo!
Excelente
Obrigado, Elvino!
Cena típica de uma crônica. Claro, para quem tem a crônica entre os dedos. A última frase é um poema. Muuito bom. Parapenz
Muuito obrigado, Venâncio!
Quanta delicadeza e sensibilidade na tua narrativa… Linda crônica, Rubem!
Ohhh… Muito obrigado, Adriana!
Parabéns !! As palavras bailam sob o olhar nos transpondo para o momento tão melancólico de um final de domingo …
Aiglis, muito grato por seu olhar!
Maravilhosa crônica Rubem, meu amigo. Tão poética e sensível como poucas. Da pra sentir a alma flutuando na haste
do algodão doce. O humano é carregar a poesia
Ohhh! Muito obrigado, Soraia! Beijos