Temos apenas duas maneiras de posicionar o rolo de papel higiênico em seu suporte: com as folhas se desenrolando pela frente, no sentido anti-horário, ou por trás, no sentido horário. [Cedíssimo, uma digressão necessária: num mundo cada vez mais digital, corremos o risco de as crianças não mais conhecerem o caminho dos ponteiros do relógio? Sei lá, ando com uns medos estranhos…] De volta ao banheiro, segundo soube numa pesquisa rápida, temos até uma doutora (Gilda Carle) que afirma existirem características de personalidade que afetam a escolha de uma ou outra maneira de posicionar o rolo. Depois de uma série de estudos, concluíram serem mais dominantes os que desenrolam o papel de cima para baixo e, por consequência, os demais são mais submissos.
Mesmo um tanto chocado em notar pessoas alocando recursos numa pesquisa assim desimportante, reconheço em minhas observações empíricas a assertividade das conclusões alcançadas, as quais me parecem lógicas. [Oh, dor! Nova digressão necessária: nos dias correntes, parece que nada podemos achar lógico, óbvio ou natural antes do aval de comprovação científica.] De volta ao banheiro, em debates mais ou menos macios ou ásperos, até hoje só conheci defensores da “forma certa” de colocar o papel no lugar, ou seja, folhas soltas para frente – o que indica a tendência de comportamento dominante. Os que apregoam a outra maneira concentram sua argumentação no simples “tanto faz”, ou seja, não se incomodam com isso. Também, ao contrário do primeiro grupo, jamais investem seu tempo trocando o rolo (qualquer rolo) de posição.
Seria um despropósito extrapolar este debate para identificar pessoas mais ou menos simpáticas com os preceitos de liberdade? [Terceira digressão necessária: neste momento, o texto ganhou um rumo não planejado com chance de necessitar de metafórico papel higiênico até o final. Espero que não…] De volta ao banheiro, todo ditador conhecido defeca regras como defensor “do que é certo” e, no caso aqui apresentado, é a ponta solta do papel higiênico para frente. Mais do que isso, não se satisfaz com o controle sobre seu próprio rolo: quer impor um modo único de posicionar o papel em todos os sanitários do planeta e, não raro, cria dispositivos de controle sobre o modo de fazê-lo, com maiores ou menores sanções aos discordantes.
Apressados poderiam pensar: Deus do céu, eu mudo o papel higiênico de posição, logo, sou um ditador!, mas relativiso. [Última digressão necessária: evitarmos tratar tudo com caráter absoluto também poderia ser o tema aqui exposto.] De volta ao banheiro, influenciar os outros a optarem pelo modo igual ao que desejamos para o rolo – talvez até com sutis demonstrações práticas – está nos contornos das atribuições sociais de convivência democrática. Sim é do jogo. Penso nisso até para minha própria descarga de consciência, confesso. Grave desarranjo é quando alguém, reconhecendo modos diferentes de puxar o papel como possíveis, demoniza quem deseja fazer de maneira própria e, por que não dizer, intransferível.
Excelente! Pois então…a pandemia se encarregou de banalizar a expressão “comprovação científica”. Derrubou! Quem nunca havia escutado, passou a usá-la como se fosse Doutor em todos os assuntos. Uma pena. Acabaram colocando na vitrine as suas fragilidades, principalmente as culturais. É o preço que se paga em falar sem conhecer. Presenciei várias. Resposta para isto? A minha foi o silêncio. Quanto aos recursos alocados para este tipo de pesquisa, nenhuma novidade, infelizmente; neste Brasil brasileiro, estas bizarrices acontecem há muito tempo. E estão no Google, sem constrangimento, há um clic de nós. Ah! Quanto à posição do papel higiênico: já li reportagens dizendo que o dito cujo irá desaparecer. De certa forma, eu até acredito, que desaparecerá junto com a humanidade. forte abraço!!!!!
Valeu, Marcelo!
O silêncio é uma ótima resposta.
Abração!
Um olhar muito especial sobre todas as coisas, mesmo as mais inusitadas. Grande abraço, meu cronista favorito!
Ohhh! Muito grato, Jussara. Seu olhar enobrece a crônica
Beijão