A gatinha e o Ratão

O beijo na boca pode ser um parâmetro interessante para completar o quadro acerca do impacto do tempo sobre as gerações. Não creio que beijava-se menos no passado. Acredito, porém, ser menor o número de bocas beijadas. Uma possível exceção eram os carnavais – espécie de salvo-conduto para o encontro de línguas a ser deixado fora da estatística oficial. Mesmo assim, como era normal os casamentos acontecerem mais cedo, estar descomprometido nas festas do reinado de Momo durava menos do que hoje e, com casamentos mais longevos, com menor reincidência na solteirice.

Tudo foi mudando aos poucos até os dias atuais, época em que adolescentes contam beijos na casa das dezenas numa só festa. Ou seja, bastam poucas horas para aproximar, igualar e suplantar o número de beijados que os bisavós tiveram em sua vida inteira – às vezes somados os carnavais, que eu deixara fora da conta. O que mais? Experimentam beijos entre meninos e meninas, algo pouco provável de ser visto nas gerações anteriores – na minha, inclusive.

A questão é: tanta diluição na saliva alheia tende a deixar o cultuado primeiro beijo em alguém com menor importância? Hoje, por exemplo [hoje da escrita, não de sua leitura], completam-se nove anos do primeiro beijo meu e da Vanessa [preciso dizer um no outro, ou está implícito?]. Ela é melhor em datas e me recordou, é claro. Ainda assim, sou capaz de rememorar o passo a passo antes de ele acontecer e, óbvio, é vívida para mim a reação imediata. Tudo: quando, onde e porquê. Ouço meu coração batendo mais forte, sei do sabor, minhas faces voltam a enrubescer.

Corro o risco de parecer piegas, mas avanço: para mim, o primeiro beijo é uma espécie de última cena da temporada numa série. Quando não é bom, não dá o clique ou [aviso de clichê] não batem os sinos, a emissora abandona a continuidade, os patrocinadores pulam fora ou o público se desinteressa. Mistura de desfecho e promessa, sabe? Vestibular. Não penso que todo bom beijo seja capaz de levar adiante uma relação. O mau beijo, por sua vez, é determinante no descarrilamento.

Parágrafos tantos, e mediante a revelação de uma efeméride particular, chego ao cerne do texto: considero improváveis casais permanentes que se esqueceram do primeiro beijo. E imagino ser uma impressão válida até mesmo para os multi beijadores das gerações Y e Z. Você confirma ou desmente a regra? Confirma, eu sei. Isso é bom, acredite! E adoraria ver a caixa de comentários ao menos com os locais onde aconteceu. O nosso? Foi ali na saudosa Caverna do Ratão, com direito a chope e sanduíche aberto, depois de uma sessão de cinema. Em 2014, o ano que nunca terminará.

12 comentários em “A gatinha e o Ratão”

  1. María Helena Mattos

    Parabéns, adorei ler.
    Me fez viajar no tempo e lembrar do meu primeiro beijo… faz muitos anos.
    Nos beijamos na rua onde eu morava. Ele era o rapaz mais cobiçado. Depois disso ele foi o meu padrinho no baile dos meus 15 anos.
    Ficou sempre um carinho muito grande entre nós.
    Obrigada por me fazer resgatar lembranças tão lindas.

      1. DENISE MARIA FELICIO

        Ai, que delícia de texto. A história do meu primeiro beijo é muito engraçada, mas inesquecível. Me lembro do dia, hora e lugar.

        1. Mirian Bolzan

          Concordo muito. Nao da para esquecer o primeiro beijo, e principalmente se ele veio após uma certa conquista (não tão fácil, me entende?). Esses, certamente ficam gravados na memória.

  2. Os primeiros são sempre inesquecíveis. O primeirão da vida foi desastroso, batemos com os dentes um no outro, durante um banho de piscina, a platéia toda olhando (o evento tinha torcida), depois insistimos e o namoro durou 3 meses. Já o primeiro do último (ou seja, do atual) foi pós Casa de Cultura Mário Quintana, no carro.

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